terça-feira, 20 de março de 2012

brinco mesmo

O meu negócio é brincar. E, modéstia à parte, sou boa nisso. Porque levo a sério a brincadeira. 

Eu sempre quis escrever a expressão "modéstia à parte", e nunca tinha tido essa oportunidade - que vem junto com a afirmação de que se é bom em alguma coisa. Então, eis.

Sou boa no desnecessário. Sou boa no inútil. Sou boa no luxo

Não precisar me liberta. Fico de braços e pernas abertas para acolher tudo que é réstia. Escrevo até o que não presta. Eu brinco mesmo.




E meu pião é um dicionário velho...
[rés.tia. sf (lat reste) 1 Corda de junco entrançado. 2 Corda de caules entrelaçados. 3 Feixe ou raio de luz que passa por uma abertura estreita.]

fome circular II

Quando muita, a minha fome é circular - no sentido horário para quem me olha. Começa no umbigo, estende-se até o braço direito, sobe até a garganta, escorrega até o braço esquerdo e volta para o umbigo. Assim sucessivas vezes. 

O esquisito é que não atinge as mãos e não alcança as pernas. O bom é que consigo escrever e andar até a geladeira.  

vaso inverso

Tenho o hábito de andar pelo pátio procurando o que não sei o que é. E sempre acho.

Plantei um galho morto numa lata vazia de ervilhas e cheia de terra preta. Porque a lata é verde e o galho tem a cor da argila. Fiz um vaso inverso. (E fiz só para escrever este verso). 

para ela

para ela, não basta lavar o rosto com água e sabão. há que passar algodão com leite de colônia. como se esculpisse uma nova cara, ela retira toda a matéria preta que a excede. como num palimpsesto, ela precisa polir a base para reescrever em cima - uma nova cara. mas não, ela detesta máscaras. e também destesta fuligem e células mortas. a camada estrangeira não lhe pertence. o que é dela está por vir. todos os dias, antes de dormir.  

2x #saco

Foi mais uma daquelas noites em que as palavras não deixavam o sono entrar. #saco

Ainda prefiro dormir a escrever. #saco

sexta-feira, 16 de março de 2012

cafézinho II [sobre ser]

Uma pessoa chamada Pessoa escreveu: "Sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui". Uma pessoa chamada Leminski escreveu: "Isso de querer ser aquilo que a gente é ainda vai nos levar além". Uma pessoa chamada Lo-fi escreveu: "Sejas tu e serás pleno".

Só que bem antes de tantos escritos, num deserto tórrido e amarelo, uma pessoa chamada Gautama pronunciou ao vento: "Aquele que é busca a plenitude".

E o vento levou suas palavras aos ouvidos das pessoas que escrevem. 




mais um cafézinho?


[ "A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita a exatidão", Francis Bacon Meu-Guru. ]

quinta-feira, 15 de março de 2012

pa.ra - prep (lat per+ad)

Para pensar melhor, tome uma cerveja antes do almoço.
Para pintar melhor, faça um alongamento.
Para desenhar melhor, crie um esboço.
Para escrever melhor, tome duas xícaras de café preto.
Para falar melhor, cometa isso tudo e depois fume um cigarro.

184 dias

Ele disse que está com o coração aberto há 184 dias. Mas que ninguém entra e ninguém sai.

tão simples

É tudo tão simples, minha filha. Respira fundo e vai. Não conta com ninguém, nem com Deus. Uma pessoa sozinha é sempre mais elegante - e confiável. Solta este corpo e caminha. Anda até aonde tiver que andar. Chegando lá, faz o que tiver que ser feito. Quem te dirá a medida e o modo será o tempo. O mundo é perfeito. 

cafézinho I [dia bom]

num dia como hoje vale a pena escrever sem saber para onde. porque não chove mais. porque o calor não derrete. porque me divorciei do ar condicionado e estou na companhia das melhores parceiras, as janelas abertas. não tem como não escrever a esmo e não publicar o texto. de onde ele veio e para onde ele vai torna-se detalhe ínfimo num dia como este.

creio que esteja todo mundo Alegre neste Porto. eu estou.

na parte da manhã, trabalha-se no computador. na parte da tarde, trabalha-se na rua. na parte da noite, trabalha-se à luz da lua. o formigueiro ficará aberto o dia inteiro. 

mais um cafézinho? 

Sr. Devir

A música, sem ouvir, é nada.
O sonho, sem dormir, é nada.
O desejo, sem agir, é nada.

O devir, enquanto não vem, é nada.

Dessa feita, acabou. Porque de ti não ouço, contigo não durmo, por ti não ajo. E o Sr. Devir não vem mais. (Distraiu-se com uma bela canção, pegou no sono e dormiu sentado). 

quarta-feira, 14 de março de 2012

0,5 cm

Quando pensa naquele homem, parece que vai implodir. Um estado de pânico lhe abate. Sente que vai vomitar. Fica sem ar. O gole d'água não desce. Tudo escurece.

Mas só lhe falta meio centímetro para a paz. 






(Na fonte padrão do hotmail, a grande palavra "sim" tem apenas 0,5 cm).

drama II

Quanto mais velha, mais intolerante à hipocrisia - e mais palavrão pronuncia. Ela pensou ter sido uma jovem revoltada. Mas não. Foi mansa e condescendente. E só disso se ressente. O tempo passou e ela tornou-se mais ela. Continua fumando. Continua bailarina. Continua linda. Mas. Agora ignora avisos proibitivos. Agora é ela quem atira tomates no público. Agora dorme maquiada. A farsa da felicidade inabalável hoje não lhe alcança. Ela dança, ela dança... mandando à puta que pariu a lágrima da esperança.


(Descrer lhe outorga uma alegria de criança). 

demônios do amor

o amor tem seus demônios. nem tudo é paz ao som de sininhos.
há alfinetes na poltrona do amor. e eles ferem conforme a posição em que tu te sentas - para que fiques alerta, para que fiques atento, para que fiques inteiro. 
não durmas tão profundamente, pois podes acordar sendo peneira, sendo coador, sendo tela ou qualquer coisa que vaza. e do amor é bom não perder nada. nem os demônios. 

sábado, 10 de março de 2012

"minhas"

pego as histórias dos outros e transformo em estórias

blisters

Quando criança, eu adorava blisters. Não digo que não mais adoro, mas antes eu adorava mais. 

Ficava olhando as bolotinhas encapsuladas e imaginava a solidão que sentiam vivendo tão irremediavelmente isoladas. Eu me comovia com a solidão dos comprimidos.

Nem me passava pela cabeça que a causa era justamente o blister, que eu tanto adorava.








[PS. Veja bem...]


NO VAZIO DAQUELA TARDE,

eu percebi que amava os dois.


"Amo a regra que corrige a emoção". [georges braque]

"Amo a emoção que corrige a regra". [juan gris]
 
 
















 
 
 
 
 
 
 

Ela quis

Ela quis te namorar como quem come uma goiaba. Com casca e tudo. Sem ligar para a lambuseira. Ignorando os bichos. 

drama I

Seus últimos dois amores eram gays. Cultivava esperanças vãs ao revés da natureza. Ela sonhava comendo a sobremesa. 





Até que acordou e nunca mais amou ninguém. 

Até que acordou e nunca mais comeu ninguém.

página de recados II

Nesta página de recados, deixo registrado:
 

Só no dia em que eu voltar à Lua, esquecerei que sempre fui tua. 

(Fez treze anos que não te esqueci).

página de recados I

Nesta página de recados, deixo registrado: 


Aquela minha música não foi feita pra ti. Eu menti. 

(Mas este texto, sim).

o agora

O agora nunca esteve tão presente quando agora.

sexta-feira, 9 de março de 2012

procura-se mecenas

procura-se mecenas que me pague para pintar. que me pague para desenhar. que me pague para modelar. que me pague para cantar. que me pague para dançar. que me pague para escrever. (se eu encontrar, terceirizarei os serviços. eu tenho muitos amigos).

covil castle I

música medieval no apartamento do vizinho. paradoxo: irrita e eleva.  

estou no céu, bem onde nada se houve.
sou cupido. tenho uma flecha e um pinto. 


covil castle é um mosteiro. mas o eco é verdadeiro.


(morarei aqui nos dias nublados).

covil castle III

minha primeira impressão deste cafófis não foi das melhores. pensei que não aguentaria mais de dois dias neste lugar - por causa da poluição visual e do reduzido espaço. o excesso de informação visual me atrapalha para imaginar. sempre preferi inventar à contemplar. mas em menos de 24hs me adaptei. minhas retinas relaxaram. meu corpo assimilou os obstáculos e adquiriu a destreza necessária para não bater nas coisas.  esta poltrona já nem parece tão grande. o banheiro e o quarto são aconchegantes. a luz natural matutina é muito agradável, tudo fica mais bonito - inclusive minha bunda e nossas peles. e que formidável paredão de rochas! 

o vento acaricia a pedra e depois vem deitar no meu colo. quente, o malandro. 

covil castle II

gosto de paredes marcadas. (paredes imaculadas estão fora do tempo). 

não há vida separada do erro.

o edifício

cheiro de alho. latidos de cachorro. vozes de papagaio. barulho de ar condicionado. gritos agudos e contentes. às vezes uma buzina, uma travada de ônibus, uma tosse, uma campainha. gosto disso.



gosto de escrever em lugares diferentes - desconhecidos. gosto de desenhar em lugares conhecidos - familiares. acho que tais atividades ocupam lados opostos do cérebro. será? preciso "dar um google". fato!


gosto de olhar pela janela que dá para o pátio interno do edifício, observar outras dezenas de janelas. sobretudo porque as esquadrias são diferentes umas das outras - e porque há enfeites nas portas.


estou ficando chapada de café e nicotina. estimulada, quem sabe saio para desbravar. copacabana é um excelente lugar para escrever e observar. pessoas e calçadas tão díspares..., não dá para desperdiçar. sou contra o desperdício. deste brain, farei um texto para o inços.
    

a vida é sonho

Já que a vida é sonho, vou viver. Desisti de acordar.

Tirei as pilhas do despertador - de dor ele não desperta mais nada.
Deixei o quarto à meia luz - é o sono quem agora me conduz.
Liguei o ventilador - para pegar impulso no vento.


No mais, vesti pijama de algodão. E tênis de corrida. 


[Desculpa se fui muito sucinta. É que estou de saída].  

recortar-colar

Tantas roupas pra lavar, tanta poeira pra varrer, tantos textos pra ler, tanta balela pra escrever, tanta gente pra encontrar, tanto trabalho pra render, tantas idéias pra desatar, tantos cafés pra tomar, tantos dentes pra escovar, tantas dores pra cuidar, tantos risos pra soltar, tanta coisa pra mudar.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A vingança

Odeio-te pelo que não fizeste. Tua inércia provocou um vazio na minha barriga, bem onde costumavam voar as borboletas. Estou oca pelo simples e assolável fato de que tu existes. Estou louca e penso em destruir-te. Isso me deixa ainda mais triste, mas sigo em frente.


A vingança é um fato que sai do cu.

a Mágoa

ela carrega, sobre os ombros, a Mágoa. tão densa que há dias não amolece, não derrete nem deságua. seu volume diminui mas fica ainda mais pesada. ela gostaria de ela própria virar vapor - só para ver a Mágoa se espatifar no chão, e sentir dor.

Rio de Março

O Rio é bem bom de ver. O Rio é bem bom de esquecer. O Rio é bem bom de escrever.

Aqui a oportunidade do encontro com o outro é bem maior. 



Até o barman dança:

"... as pessoas não se falam mais por isso eu preciso de você demais ..." (Frank Aguiar - que, pela constatação, deve ter composto a música em solo gaúcho). 



Aqui existo, logo penso:
"só entenderá o homem aquele que aceitar o brega".



[Aqui, o primitivo me atravessa].  

terça-feira, 6 de março de 2012

eu sou

eu sou muito má. minha vassoura não cria teia e faço sopa com o ferrão da abelha. ontem mesmo arrombei tua janela, roubei teu sono depois da onze e meia. 



e eu sou ainda pior de calcinha vermelha. 

não te culpes

não te culpes quando tu me mentes. eu sei de tudo. 
só não falo nada para te deixar contente. e porque tu não ouves mesmo. 



tu és surdo para o diferente.

entre processos

minha vida entre processos é um processo longo e árduo - escada íngreme na qual os degraus são os fatos. e isto é difícil para mim. tenho tendência a abstrair. sou volátil. eu vôo.

meu campo é um tabuleiro de xadrez onde brotam teorias estrangeiras.

às vezes falta o documento que certifica a idéia. às vezes falta a assinatura do velho que se esconde atrás do burro. às vezes falta tudo o que faria um mundo justo.

daí eu me pergunto se sou inço ou formiga, se sou peão ou rainha.

casa

ao voltar para casa, vi tudo diferente. 
os tubos de ensaio estavam de pé. o microscópio estava focado. os bequers estavam cheios. o bico de bunsen estava aceso e o funil de buchner, desentupido. o condensador trabalhava sem aplacar a ebulição.  
a casa é o laboratório do amor.
  

tu e eu

Tu me emprestaste a tua casa, e eu te emprestei o meu abraço. 

Tu me emprestaste as tuas palavras, e eu te emprestei os meus ouvidos.

Tu me emprestaste o teu lugar, e eu te emprestei o meu espaço. 

Tu me emprestaste as tuas certezas, e eu te emprestei os meus duvidos.

domingo, 4 de março de 2012

para milorde O.

Penso que o amor de amigo engloba todas as formas de amor.
Não estou dizendo que seja o maior ou o melhor amor.
Digo que é misto, móvel e acolhedor.


Um amor híbrido é um amor bonito.

sábado, 3 de março de 2012

azul

vamos transar, mas não voltar um para o outro. 
deixemos que isso nos leve para outro porto. nossa rota bifurcou no ponto mais azul -  mas o verde e o lilás também têm um ponto mais verde e mais lilás. e só conhece quem vai atrás. navegar é preciso.


(nenhum mundo pode ser bonito todo em azul. cromaqui dá fobia.)

matrix

dou mó pinta de gringa nestas terras. as pessoas falam comigo em outra língua. aproveito para exercitar, não desfaço o erro. me sinto noutra ilha. mó maravilha. chinelos, cor, óculos, pele, roupa, cabelo - não sei o que eles vêem primeiro. mas é a impressão que fica. e vivo outra vida, cria da matriz que é a minha. (bem dissimulada, simulacrinha).

cama

eu estava ovulando. e ele ao meu lado roncando. 
consegui dormir, mas sonhei que ele era japonês.


[e que o balde e água fria que jogaram no japonês roncador acertou em mim. de resto, acordei calminha].