quarta-feira, 31 de julho de 2013

num dia como hoje eu

num dia como hoje eu só tenho a agradecer. ao sol que abraça os cachorros e seca as roupas recém lavadas. ao cheirinho das roupas que se mistura com o do mato, perfumando a casa de aconchego e vento. ao vento que vem do norte carregando o barulho da cidade. ao barulho da cidade que traz de carona o apito do trem. ao trem que me leva a trilhar as palavras. às palavras das quatro horas de uma quarta de poesia e incensos. eu agradeço.   

sexta-feira, 19 de julho de 2013

gê,

eu queria ajudar-te em tudo. acabar de vez com teus problemas. resolver tua vida. te dar paz e comida. pra que teu mundo virasse um poema. 

se eu tivesse tal poder, faria. o mais bonito é que tu nem desconfias.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

tão emburrada

estavas tão emburrada que aquilo só podia ser tristeza. te conheço de todas as vidas que cabem nessa, e nunca te vi mais avessa. tuas sobrancelhas emolduravam tua magreza. não tive pena nem raiva. só dúvida. e o mais que pude, delicadeza.

superlativo

é chegar em casa e sentir-se dentro de um travesseiro, tal o aconchego.

"vândalo"

palavra péssima, feia. e tendenciosa. parece fragrância de desodorante barato. ou xarope pra azia. ou diluente de tinta.

acidente


 bfb ufy5 
       kojionb

quarta-feira, 17 de julho de 2013

gosto desse horário

gosto desse horário. os raios de sol têm de se esforçar pra entrar pela janela. tudo silencia e consigo ouvir melhor. acendo o abajur e a lareira. chamo os cachorros pro sofá. ouço a respiração dos dois. abro o livro enquanto o sol se deita na parede da sala.

pós-encontro com walter [cont.]

"prosa delirante. poesia latente. quebra inconsciente de regras. deslizes ternos. acepção sonegada. três doses de gim. só uma lata de tônica. marola ampliada", walter escreveu num papelzinho enquanto eu estava no banheiro, e me entregou na nossa despedida. li quando já estava dentro do táxi. achei cafona, porém fofo. sobretudo porque o papel estava dobrado em forma de barco. em seguida a doçura me abandonou, porque percebi que walter fez tal gentileza para se livrar do fardo de ter que escrever sobre os meus escritos. fiquei puta da cara. demorei pra dormir e sonhei que estava num navio, armada de um estilingue e com duas pedras no bolso. eu procurava um alvo inerte para acertar. todos os possíveis alvos eram móveis, e eu não podia errar. comecei a enjoar. o navio balançava como uma jangada. ondas vinham em sentido contrário, da beira da praia para o alto mar.  eis que vi o quadro do van gogh com moldura dourada e paspatur azul. e também o relógio da pepsi. ambos parados. alvos perfeitos. mas eu estava mareada, sem equilíbrio. sofri para cacete até que walter apareceu. trazia um canudo de formatura na mão e estendeu em minha direção. quando segurei o canudo, o meu enjoo se dissipou e o navio parou de balançar. mas não pude atirar nos alvos inertes. eu estava com as duas mãos ocupadas. acordei. pesadelo de sonho, esse. não dormi mais. escrevi um texto de nove páginas - para o desgraçado do walter. após cada frase abri um parêntese para explicar o que eu dizia. comecei contando o sonho com todas as metonímias, aliterações e metáforas que consegui. terminei mandando ele se cagar, novamente. fiz o mais lé com cré inteligivelmente possível, especialmente no entre parênteses. mandei por email. passados 40 minutos de insônia e suor, para a minha surpresa, veio a resposta.

"obscura escrevedora/hábil sonhadora, eu gostaria de ser o teu analista. para te fazer ver que tu és uma personagem", dizia no email. 

depois dessa, adormeci. sonhei que walter tomava valium para dormir. e achei isso super coerente. escrevi a respeito sem usar um parêntese sequer.

encontro com walter

chegou vestido de preto. todo de preto. terno e sapato social. estranhei. desde sempre foi meio hippie, maloqueiro até. sentou do meu lado na mesa. sorriu pra mim. e comecei a conversa. "o que achaste?", perguntei. "achei um tanto ininteligível", respondeu. "como assim?", perguntei. "não entendo o que tu escreves. acho que não entendo. fico em dúvida", respondeu. eu não entendi se a dúvida era sobre o teor dos meus escritos ou se era sobre o fato de não entender. fiquei muda. percorri as paredes com os olhos. achei brega um pôster do van gogh emoldurado de dourado, com paspatur azul. eu quis acender um cigarro, mas era proibido dentro no bar. eu quis ir pra rua, mas previ que walter não me acompanharia. fiquei ali. não gostei do relógio da pepsi pendurado na parede. e também da luminária em forma de castiçal. na pista começou a tocar stones. sympathy for the devil. tirei walter para dançar. "está muito frio pra dançar", foi o que ele respondeu. depois dessa, bebi mais uma dose de gim. percebi que, da mesma forma como escrevo, começo os encontros sem ter a menor idéia de como chegarão ao final. simplesmente vou. sou ousada. "eu gostaria que tu escrevesses algo sobre os meus escritos. algo simples. só para mim", cutuquei a onça. walter coçou o olho e suspirou. meu pedido pareceu um fardo. "vou ver o que posso fazer", respondeu. depois dessa, tive certeza de que tomaria uma terceira dose de gim. meu pai disse que gim é o fim da linha. pois bem, eu queria mesmo chegar lá. "estou atolado de trabalho. duas encomendas pra site e provas dos alunos pra corrigir", walter comentou para me sensibilizar. "que bom, hein. eu continuo escrevendo a esmo, pra ninguém ler", comentei para sensibilizá-lo. "isso é bom. o descompromisso liberta", disse ele. "verdade. mas não aguento mais almoçar sanduíche", eu disse eu. "estás vendo? esse tipo de texto que acabaste de falar é que me intriga nos teus escritos", disse ele. "caralho, walter. tu não consegues fazer a ponte entre causa e consequência?", falei. "boa. outra tua", falou. "não me oponho à narrativa. só que meu foco é escrever", falei. "se tivesses feito a graduação em letras te darias conta das besteiras que falas", atacou. "se tivesses feito a graduação em artes entenderias os meus escritos", ataquei. "tu cometes erros crassos. confundes o mais básico. o que te salva é a tua imaginação", retrucou. "justamente o que te falta como leitor", retruquei. walter emudeceu. percebi que ele fazia o mesmo que eu nessas horas, lambia as paredes com o olhar. "gostei da decoração", disse ele. "vai te cagar, walter. antes que tu te esquentes e possas dançar", terminei a conversa.

mínima ficção

acontece em potencial. só em potencial. há pouco tempo para imaginar. o mundo está cheio de coisas efetivamente acontecendo. estamos ocupados. os romances mofam nas estantes. a vida vive sem eles. importa descascar batatas e ir ao banco. 

ninguém usa óculos. a mancha do mofo passa despercebida. nenhuma rinite iminente.

noção

não tinha nem amanhecido. era noite no meu coração.  por isso não me despedi nem me casei contigo. só me restou essa noção. estava muito cedo quando partiste.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

escreva

escreva todas as maluquices que te vierem à cabeça. não julgue, não filtre, não intervenha de modo que não seja escrevendo. isto não é impresso. isto não é perene. isto não é um livro. dá para mudar e excluir. e quase ninguém lê. quem lê não espera nada, zero expectativas. quem lê está aqui por acaso. por conivência. ou por conveniência. para passar o tempo ou os olhos. para brincar. ou para deixar de fazer algo útil. o importante é que isto não é importante. e quanto menos importante, melhor para a tua fluência. vai por mim. te joga escrevendo. quando te deres conta são as palavras que escrevem.

Há domingos e domingos,

dizia o sábio chinês que morava no vale dos findes. Só acreditei nele num agosto sem feriados. 

o cara espirrou

o cara espirrou como quem pare um filho. o som ecoou nas paredes do restaurante. estilhaços de ranho em cima da mesa. a vela apagou com o bafo. todo o romantismo do primeiro encontro foi tragado por aquele nariz úmido que se recompunha daquele ato inábil e desordeiro. fiquei com pena mas o nojo foi maior. quando ele me pediu desculpas eu disse que seria difícil. e ele me chamou de indelicada.

nessa manhã de domingo imortal

Fiz feijão. Arranjei flores pra suprir o vaso chinês, vazio há tempos. Perfumei a casa com incensos. Abri todas as janelas. Botei o tapete no sol, entre o portão da rua e a porta de entrada da casa. Estendi a rede na varanda. Preparei um chá gelado de hibiscus. E limonada com hortelã, pra a hora do almoço. Pus um vinil do Cartola no toca discos. Vesti a saia de renda e soltei os cabelos. 



Tu vens chegando pra brincar no meu quintal.

ref. Alceu Valença, Anunciação.

o dia surgiu

o dia surgiu vetusto. algumas horas apodreceram. outras se perderam. só deu tempo de tomar um nescau e voltar para a cama. o dia foi domingo. domingos são os mais perecíveis. 

hoje eu vou escrever

Hoje eu vou escrever pelo meu fugaz enjoo de ler. E pelo emocionante motivo de que vivi instantes narráveis há não mais que 12h. Sim. É isso.

Pois bem. Cheguei de viagem e a rodoviária estava lotada. Mas eu não conhecia ninguém. Aquilo me causou imensa paz. A respeitável sensação do eu-alienígena. Tudo zerado na minha vida. Pude fumar sem ser interrompida. Sentei no banco dos taxistas - nessa cidade os motoristas de táxi têm um banco de praça, do lado externo do prédio, especial para esperar os passageiros que aparecem em intervalos consideráveis. Pouca gente anda de táxi aqui. O transporte coletivo é sofrível. Todos têm carros. Município pobre. Lembrei da tarde de sábado como quem aprecia um vinho encorpado. Cabernet Sauvignon. Sábado encontrei velhos amigos velhos (sim, velhos-velhos). Vi meu pai feliz e minha mãe mais alegre que o habitual. Eu enxergava as caras deles e as dos velhos amigos velhos sorrindo pra mim no reflexo dos vidros dos táxis, e não entrava em nenhum. Estava bom ali. Aquele banco de praça fez as vezes de poltrona de cinema. Mas eu não estava totalmente em paz nem imersa na película. Ansiava que algum taxista viesse me repreender por estar ocupando um lugar alheio. Eu estava disposta a brigar, para dissipar a irritação que me acomete depois de 4h dentro de um ônibus. Mas não. Ninguém veio. E isso me irritou ainda mais. Pensei em ir para casa a pé, em dar o calote no taxista, em mentir meu endereço. Mas não também. Terminado o cigarro, acendi outro - foi o máximo que eu fiz. Depois entrei num táxi apertado. Igual àquele fusca contemporâneo eu nunca tinha visto. Tão pequeno que eu encostava os joelhos no banco da frente. Tão ereto o banco de trás que quase vomitei. Endereço correto e corrida paga, cheguei em casa. Tudo estava no lugar, dispensando placas de privacidade. Voltei a ser aquela. Abracei os cachorros como uma verdadeira madona. Enxerguei no sofá da sala o meu banco de praça. E liguei a tevê.

terça-feira, 9 de julho de 2013

( )

Não sei mais escrever. Desaprendi. 

Antes o texto saía como música. Vinha um rock, um reggae, um samba, um vivaldi. Agora não. Tenho de pensar. E para escrever penso no que me aconteceu para que esse parêntese vazio me acometesse... Tenho passado dias inteiros lendo. Às vezes lavo roupa. Ou cozinho. 
Pouco trabalho. Menos ainda acontece e minto. 






Por ficar ao léu resfriei. 


Aganjú. Carlinhos Brown.




   

tralhas

Estão querendo me enganar. Rir de mim. Gozar. Disseram que seria privado, que seria protegido. E dominável. Mas não. Apareço em 300 páginas. Com a cara de louca que nem tenho mais. Com discursos que nem acredito mais. Pensei em trocar de nome ou me excluir dessas tralhas todas. Sim, tralhas - o obsoleto em forma e sentido. 


     

sexta-feira, 5 de julho de 2013

anita

a criaturinha se chama anita. já veio com esse nome. e já veio encantada. não se impôs nem se omitiu. evitou antipatias. veio neutra como uma samambaia - elemento oxigenante, comparência profícua. porque pecinha viva e capaz. com o tempo tomou seu posto. remoldou as bordas do código e do espaço. mostrou os dentes e o resto. mas só quando já estava dentro. e para sempre até que seja. anita é presença.




a (alta) auto-estima do belot reaparece nos olhos úmidos dessa cadela pra eu dar risada. 
um bicho inteligente nunca é humilde. magnanimidade é coisa de humano. estou enganada?

antes

Antes que digam qualquer coisa, eu direi o que me antecipa: não

Com a referência desse "não", me meçam. Aí pode ser que eu concorde e ande junto. Mais devagar. 







Eu não ando rápido porque tenho pernas curtas. 
Eu ando rápido porque busco meus pares. 

Carlota Joaninha

síndrome



Síndrome de Bartleby 


[since 18/05/2013]










"E perguntar-me por que não escrevo inevitavelmente desemboca em outra inquisição muito mais inquietante: por que escrevi? Afinal de contas, o normal é ler."

[Vila-Matas, Enrique. Bartleby e companhia.  SP: Cosac & Naify, 2004. p.43]