sexta-feira, 30 de setembro de 2011

anagramas

Petição e peitaço são anagramas de poética. Não é incrível como um cê-cedilha embaraça?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

o tradutor do google é muito criativo

[chove a cântaros. os passarinhos não cantam.]

>> "is raining cats and dogs. the birds do not sing."





[Eu sou a bruxa do rodo.]

>>  "Je suis la sorcière de râteau sans dent."

Plantas isto e aquilo [respingos]

Embriófitas são as plantas terrestres. (As algas são do Reino Protista). Briófitas são os musgos. Pteridófitas, as samambaias. Espermatófitas são as plantas com sementes. Gimnospermas, os pinheiros. Angiospermas (tu vês!) são as plantas com flores e frutos. Tudo isto para dizer que: imagem não é poesia. 






Arte isto e aquilo [respingos]

Arte naïf designa a arte produzida por artistas sem preparação acadêmica, cujas características são a ausência de elementos formais sofisticados e o uso de padrões e cores primárias. Art brut designa a arte produzida por artistas livres de influências estilísticas e excluídos do mercado de arte - seria a arte dos "loucos", daqueles que não discernem a técnica, o sistema e/ou as "histórias" e teorias da arte. Arte povera designa a arte produzida por artistas que utilizam materiais alternativos e cotidianos para produzir suas obras, tais como areia, terra, madeira, jornais, cordas, pregos, trapos. 

Todas questionam as barreiras entre a arte e a vida. Mas todas têm um nome. E um nome é sempre um divisor.  



performadas

Há pessoas performadas. Por escolha, por desejo, por incontinência, por natureza. O tempo é o maestro, o diretor, o encenador, o culpado, o libertador, o professor. O espaço é o molde e o desmolde, e também campo, tabuleiro, estrada, cama, chão. Há pessoas que quanto mais inventadas, mais verdadeiras se tornam.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

228 days ago

chove a cântaros. os passarinhos não cantam.

[@ellacarlinha on twitter]

nadaver

o nadaver não combina e só existe por um lapso. indefinitivamente.

desperteço

despertenço porque sou volátil nesta atmosfera. eu escapo pelos buraquinhos mais ínfimos. não adianta. não existe emenda para mim.

ao lado

Minha vizinha dá aulas para crianças em casa. É delicioso viver ao som de brincadeiras e músicas cantadas por vozes agudas. Ainda mais porque ritmadas por palmas, piano ou bola. Que sorte a minha! O som daqui de casa é sortido, dá para imaginar à beça. É como se a infância morasse aqui do lado.  




sem pressa

domingo, 25 de setembro de 2011

despercebida

"Visto preto para passar despercebida". E assim ela se foi, com a boca bem pintada de vermelho.

o cigarro

O cigarro é a má companhia que a gente traz para dentro de casa. Mas que dorme na sala.

o último cigarro da noite

O último cigarro da noite é um companheiro que lamenta envergonhado. 

desanuviar

o que vem parar aqui vem para se perder mesmo.
vem para sair de mim.
vem para se e me libertar.

é divertido mandar palavras para a nuvem. é bom desanuviar

escova de dentes

minha escova de dentes envelheceu. que triste história de ingratidão ela viveu. me deu tudo o que podia. me serviu. me cuidou. me fez olhar no espelho. e eu sequer percebi o seu envelhecimento. só tive olhos para o meu. 

¢

não fui eu. eu fiquei.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

isto (II)

isto não é um livro. isto não é um portfólio. isto não é um diário. isto não é um retrato. isto não sou eu.


isto é só 
uma parada de idéias e sopros. um berço de inços. o meu brinquedo. meu descompromisso. 


torneira de nuvem.

o desgraçado

de mansinho e calado o desgraçado chegou. nem percebi a chegada. sentou do meu lado e lançou âncora. atracou. bastantíssimo tempo depois, sem dizer uma palavra, me tirou para dançar um bolero. nossos passos casaram na hora. conheci a sincronia absoluta. foi terrivemente bom. depois ele foi embora e eu voltei para a mesa. não havia mais nada lá. só o buraco da âncora.

mulher baldia

sou uma mulher baldia. ao meu redor nascem inços e mais. coisas inúteis e imprevistas aparecem. ficam um tempo e vão embora. e eu sempre no mesmo lugar, largada e inculta. mais frustrânea que nunca, recebo vaga quem quiser me freqüentar.   

dreaming of a neon light

ando até tarde da noite. só mais um cigarro de hora em hora. só mais um ponto de luz no horizonte. só mais uma esquina me demora.



[título: Thiago Petit]

bichos soltos

prefiro os bichos soltos. os meus e os dos outros. 
sem eles meu mundo fica oco.

imagem 04


planta que brota na merda
já vem poesia 

sabiás

quando fecho a porta da casa sempre vêm dois sabiás passear no jardim. caminham que nem galinhas. e que nem galinhas ciscam no barro e tomam banho nas poças. na grama eles andam ligeiros. que nem quero-quero ameaçado. me pergunto se por causa dos cocôs brotantes ou se por causa dos formigueiros.

Para Manoel

Passou a sentir-se artista no dia em que percebeu o cio vegetal da sua voz. Isto foi antes de conhecer o avô eleito. Isto foi quando andava só.

Aos que

Aos que o julgam arrogante e sobretudo aos que o julgam, ele declarou que é antipático por distração. 

Desde que nasceu ele é assim. Não atende aos códigos sociais porque não os memoriza. Portanto, se diz coisas descabidas, ofensivas ou fátuas, se não cumprimenta ou sorri na hora exata, não é por mal do espírito. É porque é boca-aberta.   

isto (I)

isto não é um livro. isto não é um portfólio. isto não é um diário. isto não é um retrato. isto não sou eu.

isto é só 
uma parada de idéias e sopros. um berço de inços. o meu brinquedo. meu descompromisso.


minha vida

minha vida entre árvores e bichos aconteceu sem planejamento. quando percebi eu já estava aqui. deve ter algum imã nesta terra. imã compatível com minha "magnitude". sei lá. só sei que depois que me plantei aqui, as palavras floresceram. sementes plantadas há tempos, brotaram. virei mato, matilhas, bandos, cambadas, formigueiros.


mangueira

chove de novo. para molhar a mangueira de folhas inversas. lágrimas de ponta-cabeça. salgueiro-chorão no meu invento. quando chove, apenas. 

(se tem sol, mangueira mesmo. se faz calor, mais ainda).

flor amarela

brotou uma flor amarela no jardim. eu tinha apenas um ano de idade. passamos mais de trinta anos juntas. ela me ensinou muitas verdades. sobretudo liberdades. eis que num dia de sol à pino, ela murchou. eu chorei. mas isto porque eu ainda não sabia que caule e folhas e a terra toda também eram ela. hoje eu sei.   

o retorno

não adiantou nada você me mandar embora, eu voltei. quero viver nesta casa. contigo. este lugar é a minha cara. há tantas árvores para uma só pessoa (você). os muros são largos e altos na medida. a vista é incrível. vejo o rio lá embaixo... ademais os vizinhos já me respeitam. inclusive me adoram. e você também é uma ótima pessoa. sua comida é à base de peixe. miau.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

barro

já que tudo é impermanente, vamos queimar o barro. deixar pistas pros próximos passageiros. 

maçã

em silêncio, mordeu a maçã olhando para mim. fiz que não estava notando que e o que ele queria falar, enfim. eis que tarde porém nem tanto, me ofereceu um pedaço. e eu mordi.

ato (II)

deitou-se na cama insistindo no ato. todo embarrado. com cara de coitado. fingia arrependimento. por minha causa. ele sabe que ele próprio jamais trocará os lençóis. que dirá, lavá-los e estendê-los ao sol. ele não nasceu para este tipo de coisa. deus lhe deu quatro patas mas não habilidade motora para tal. então descansou sereno sobre a imundície. fingindo outra coisa, como antes eu disse. 

ato (I)

sentou-se na grama. orgulhoso do ato. peito estufado. postura de herói. nenhum sinal de arrependimento. fez um enorme buraco. enorme mesmo. e depois mijou em cima do formigueiro. ele sabe que ele próprio jamais terá de estocar comida para sobreviver. que dirá, cuidar do jardim. ele não nasceu para este tipo de coisa. deus lhe deu quatro patas mas não habilidade mental e motora para tal. então descansou imponente sobre o verde. ingnorando minha presença, que nem combina com esta cena épica.  

enjôo

vem de baixo e acaba no plexo solar. alguma coisa isso me revira por dentro. penso a cor disso e o gosto. é esverdeado e amargo. começou num soluço e explodiu num arrepio. que puta ex-trago!

d'escrever

vermelha com bordas alaranjadas. 
duas alças gastas. 
pingo de café no lado esquerdo. 
o direito é um pouco esfarrapado. 
dentro não tem nada.

foi assim que a vi indo embora.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

somos cômoros

somos cômoros de areia. cada grão, uma vivência, alguém. algum amigo. algum amor nem tão amigo. somos construídos pelo tempo. e o vento. nos mudamos de lugar. nos mudamos simplesmente. e assim gente vai. até morrer ficando. (espalhados e planos.)    

palavras de Holga V

"Para ser homem escreva a primeira imagem que lhe recorre. Escreva o visível. Conte através das imagens. Não elucubre. Homens são diretos. Mesmo quando poéticos. Mesmo quando profundos."
(Holga Lo-fi)  

Samantha

"Então misture tudo/Dentro de nós/Porque ninguém vai dormir/Nosso sonho". Tocava isto quando Samantha adentrou o bar com cabelos de pantera. Seus olhos estavam pintados de kajal negro. De imediato a imaginei chorando, com o rosto borrado de preto.

Samantha sentou num dos banquinhos altos do bar. Naqueles banquinhos de bar mesmo. Deu para ver o quanto ela é alta. Seus pés ficaram naturalmente posicionados no apoio. Nisso, o vestido preto subiu, deixando à mostra os joelhos flexionados. Ela tem joelhos magros.

Samantha pediu um dry martini e acendeu um cigarro de filtro amarelo. Essa descombinação a fez ainda mais atraente. Então seu olhar passeou pelo recinto, como se estivesse a recencear as pessoas e as coisas. Naquele inventário mental seu rosto se iluminou feito a lua. Luz emitida. No momento desejei ler aquele cérebro feminino e sombrio. 

Samantha é sombria. Sua presença oprime e eleva. Ela atormenta.  

Por isso decidi não encontrá-la. Estou usando um difarce, embora consciente de que tudo isso seja um sonho lúcido. Durmo ao lado de Amanda enquanto o despertador não toca. Mas vai que estou enganado.
    

R:

Peguntou por que comprometer a qualidade do conjunto postando textos sem sentido ou relevância - estética ou de conteúdo.  Respondi perguntando: qualidade?

quem?

Quem se importa? quem busca? quem pensa? quem gosta? alguns quens se encaixam numa e não noutra resposta. alguns quens em nenhuma se encaixa. pode sobrar pergunta para pouco quem. pode sobrar quem para pouca pergunta.

Aqui nesta sala tem uma caixa vazia. (ainda tem). ela espera pelos quens encaixáveis que transbordarão seus limites até arregaçá-la, tornando-a não mais que papelão reciclável. nela está escrito Nestlé. e isto significa que um dia esteve recheada de chocolate. 

Quantas barrigas não acolheram o ex-conteúdo da caixa? quantos quens lhe abriram espaço? quantos quens lhe possibilitaram estar aqui? neste caso não sobra nada. sempre tem alguém por trás do quem.

Não fosse ele, esta caixa habitaria um depósito.

por mim e manoel

as palavras me acham. e também me escondem sem cuidado.

me conheço mais escrevendo do que vivendo. que bom e que ruim. 

aprendo com inços e pedras mais do que com plantações e edifícios. é o olhar para baixo que eu nasci tendo. ainda não sei de quem herdei esse olhar para baixo. talvez de meu avô eleito, que foi criado no mato e aprendeu a gostar das coisinhas do chão - antes que das coisas celestiais. 


[com frases/palavras de manoel de barros]  

scape

fugi do relógio. desliguei o rádio. fechei as cortinas. entrei neste blogue. escrevi fantasias (verdadeiras). eu queria ser lido pelas pedras*. eu queria ser árvore. eu queria conhecer manoel - ele seria meu avô. 


*[frase de manoel de barros] 

Falou de boca cheia:

"Terei férias curtas, porém caras". Depois engoliu o bolo de bacalhau que girava dentro daquela boca cheia, de dentes bracos e sadios. 

dúzias

uma dúzia de prazos para cumprir. uma dúzia de textos para escrever. duas dúzias de artigos para ler. assim eu sigo minhas incontáveis dúzias de dias. eu como meia-dúzia de ovos. eu bebo meia-dúzia de latas de ceva. eu ouço seis dúzias de música. e continuo em dúvida: quantas dúzias de dúzia para concluir isso que eu chamo de "contabilidade mórbida"?  

sábado, 17 de setembro de 2011

vi

vi a palafita
enfeitada de fita
de cetim

daí lembrei de mim
e acordei 

Wilá (I)

"A estesis do tato quase não se prevê, nem se idealiza ou pré-constrói. Aqui, técnica e talento quase se equivalem em termos de importância. É um meio bem democrático. Todo mundo pode experienciar".
(Wilá Yale)

sobre textos e tijolos

passou toda a tarde escrevendo os tais textos, narrativos e diretos, enquanto eu rebocava a parede. para esconder os tijolos.

palavras de Holga IV

"As pessoaas gostam de ler sentidos. Preferem textos com narrativas diretas. As pessoas gostam de reboco mas preferem tijolos aparentes".
(Holga Lo-fi)


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

vim ficar

para ouvir teu ronco e te presentear com o meu. para te abraçar no escuro. para entrar no teu mundo. para sonhar junto. para dormir contigo e depois acordar. vim ficar. 

Cacarecada dos Infernos

Aqui tem tudo o que se pode pensar em acumular numa vida de mais de trinta anos. Neste caos habitado de desimportâncias, o óbvio é rei. Porque é o único que está em paz no meio da Cacarecada dos Infernos - que é imperiosa e exigiu constar no título desta postagem.

o jeito que ela trabalha (II)

catou no caos a frase mais óbvia que encontrou:

 "mais importante que fazer algo importante é fazer algo"

e optou por não pontuá-la.

o jeito que ela trabalha (I)

sua sanha é caprichosa e mimada. normalmente faz as coisas quando pensa em não fazer nada. ela é assim, indeterminada. a confusão paralizante de uns é o caos desabandonado dela. onde ela vasculha o óbvio e apanha o desimportante. então trabalha e trabalha. ela é assim, silenciosa e estranha.

rabo de jacaré

foi-se o tempo em que ele cagava ao andar. hoje em dia ele se importa. deixa as portas abertas ao sair. se imagina com rabo de jacaré. e ri.

"sujeita você é um barato"

disse Clóvis depois de calçar os tênis e descabelar os cachos. "sujeita você é um barato" disse Clóvis antes de ir embora levando o álbum de fotografias debaixo do braço. 

desânimo materializado

o estúdio está tão bagunçado que meu ânimo para organizá-lo está em menos um. e assim vai até o dia em que a única superfície livre será a tela do computador - ou quem sabe nem isso. 
o teclado
e tudo estará soterrado por papéis, cinzas, fotos, livros, poeira e cacarecos 
formando uma massa compacta em grande escala. 
será o retrato do meu desânimo. 
que estará em menos dez. 

e não haverá outro jeito senão se mudar.

(isto é uma violência).







Jeff Wall. legenda na foto.

Caderno de 1986

Encontrei hoje um caderno com meus escritos de 1986. Eu tinha doze anos e era romântica. Adorava vírgulas, ponto-e-vírgulas, cor-de rosa, cetim, piano, hipnose, o Brasil e o espaço sideral.  

Audição [1986]

O piano já estava no palco. Mariana preparava-se para a audição e estava muito nervosa. Seu coração batia forte e em sua memória ela revisava as partituras que iria tocar. Isso fazia com que ela esquecesse um pouco o problema de Jivago. 
Mariana estava com um vestido cor-de-rosa e usava um laço de cetim branco no cabelo. 
Na hora da apresentação o público fez silêncio. Mariana sentou-se ao piano, colocou os dedos nas teclas e encheu a sala com as músicas que guardava na cabeça. No fim da audição, Mariana foi cumprimentada pela professora. No outro dia, o jornal dizia: "Mariana Flores hipnotizou o público tocando uma versão pausada do Prelúdio Op. 28, nº7, de Chopin".


[obs. problema de Jivago? jornal na audição? versão pausada? prelúdio op. 28, nº7?]

Brasil; Brazil [1986]

[aprendendo a usar o ponto e vírgula aos 12 anos de idade]

Meu nome é Brasil, mas sou mais conhecido como Brazil. Sou grande e bonito, porém mau cuidado. Quando jovem, fui rico e livre. Com o tempo, tornei-me pobre, sujo e depredado. Ofereci a todos minhas riquezas, acolhendo as pessoas com carinho e boa vontade. Só que em troca não recebi gratidão; fazem o que bem querem de mim e acabam com o meu coração. Se os homens ouvissem o que eu sinto, eu novamente poderia sorrir; mas basta olhar para mim para ver o quanto já morri. 

[obs. "se ouvissem o que eu sinto"]

O Cientista [1986]

[ou: A infância nos anos 80; ou: Aprendendo a usar o ponto e vírgula]

Quando criança eu constumava sonhar com o futuro; heróis espaciais, planetas e estrelas. Meu mundo era como o de toda a criança; os brinquedos, os mesmos; mas o futuro estava tão próximo que era possível imaginá-lo em detalhes. No meu quarto bagunçado havia naves espaciais, foguetes e pistolas a laser espalhados pelo chão. Na parede, havia desenhos feitos por mim e figuras retiradas de revistas. Tudo muito espacial; tudo muito especial. Na adolescência as coisas não mudaram muito, mas comecei a estudar o assunto. Já adulto, tornei-me um cientista e inventei uma nave espacial capaz de viajar por toda a galáxia. Como deu para notar, sou um sonhador. Não sei se terei sucesso nesta ida à Lua, mas para mim será muito importante, porque pisar na Lua sempre foi o meu sonho.



obs. "quando criança...", sendo que eu escrevia aos doze.    


[detalhes do processo ou coincidências fantásticas: Este texto foi originalmente escrito em 1986, aos meus 12 anos de idade. Ao reproduzí-lo aqui, enquanto eu escrevia "pisar na Lua", Jorge Ben cantou no rádio: "Depois que o primeiro homem/Maravilhosamente pisou na lua/Eu me senti com direitos, com princípios/E dignidade/De me libertar", pedindo calma ao brother Charles].      

ceramicamente

eu penso o barro como organismo vivo. eu penso a troca que há entre mim e a massa. eu penso transparente.

Agatha, a gata triste

parou de chover e Agatha, a gata triste, saiu das trevas num instante. renasceram as cores de Boticelli no apartamento hiperiluminado. mesmo com as cortinas fechadas. hoje pela manhã Agatha tomou banho de sol na beirada da janela. e dormiu. e roncou. e hoje é seu aniversário. agora é antes do meio-dia e não resta um grão de ração no pote que há dias transbordava. depois que a nuvem negra se dissipou de cima de sua cabeça, Agatha saiu da idade média e sua caixa de areia voltou a pesar. é aí que eu entro na estória.   

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

manoel de barro

o barro  no nome de maoel não foi por acaso




Barbarella (I)

Acordei indignada. Menstruada. Monstruosa. Horrorosa. Cheia de cabelos brancos. Acordei odiando mais do que o de costume a impunidade do Brasil.  Foi isso que Barbarella me disse antes de voltar para a cama e pegar no sono. Às duas da tarde. Enquanto eu escrevia.

Jaque e a banana

Com 265 votos não, 166 sim e 20 abstenções, a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) foi absolvida pelos colegas de Câmara, após ser acusada de quebra de decoro por recebimento de propina. Foi essa a notícia. O vídeo em que ela  aparece recebendo dinheiro sujo foi gravado em 2006 e veio a público em março de 2010.  A votação secreta atrasou cerca de uma hora, pois os líderes de partidos estavam ocupados articulando seus acordos. O medo dos coleguinhas deputados de enfrentarem antigos processos foi maior do que a necessidade de dar uma resposta aos seus representados. Então a tese da defesa venceu. A deputada foi absolvida porque o vídeo foi gravado em 2006, quando a deputada ainda não era deputada. Era apenas "uma cidadã comum", como ela mesma argumentou. E assim, Jaque saiu da Casa, linda e loira, antes da votação terminar.

Depois disso, o velho de barba que engrossava a massa dos representados aguardando por uma resposta no saguão da Câmara vomitou, lembrando do dia em que desistiu de furtar uma banana por medo de ir em cana.

Enterro

Medicamentos genéricos foram encontrados enterrados num lixão. O laboratório (ir)responsável foi autuado. Foi essa a notícia. Alguns medicamentos ainda estavam no prazo de validade. A maioria era de antibióticos e antiinflamatórios. Sabe-se que o laboratório foi o autor do enterramento, da sacanagem, do delito, do crime. Por isso ele foi autuado. Por isso ele terá alguns anos para se defender. Por isso ele levará um tempo bolando uma tese em que a palavra "impunidade" sequer possa ser lembrada. O dono do laboratório - um homem grisalho, forte e alto, com cara de George Clooney - resolveu beber um drink e dar um mergulho na piscina. Para relaxar. 

E no exato momento em que o Clooney genérico prendeu a respiração para o mergulho, seu Silva perdeu a respiração para sempre. Porque lhe faltou leito, porque lhe faltou o antibiótico, porque lhe faltou ar.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

a tal mulher e o tal bloquinho

a tal mulher não fala com ninguém, mas escreve. fica sentada no banco da praça capturando palavras. fala sozinha sem olhar para o lado. e depois escreve num bloquinho encardido. quando chega em casa, guarda o tal bloquinho na primeira gaveta do criado-mudo. lá dentro já tem um mundo.  

se você tivesse

se você tivesse a inquietude que eu tenho. se você tivesse a juventude que eu tenho. se você tivesse a inventividade que eu tenho. se você tivesse a mutabilidade que eu tenho. se você tivesse a desconfiança que eu tenho. se você tivesse a ânsia que eu tenho. eu teria pena de você.

sábado, 3 de setembro de 2011

eu e nem

eu e nem passamos a tarde andando pelas ruas do bairro, pisando as calçadas limosas que contornam as casas. em frente a elas, imaginamos vidas que não eram as nossas. abrimos janelas e sentamos em varandas. comemos bolo em cozinhas velhas. fizemos xixi em banheiros rotos. deitamos em quartos ensolarados para olhar nos tetos os mofos. e um monte mais. eu e nem adoramos isso, sonhar que somos outros.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

um segundo (I)

a gente pode por um segundo ser um pedacinho de tudo o que agendamos ser. só um pedacinho. (e quinze minutos é muito). basta consultar teu íntimo e acolher o que mais se parece contigo. tua fatia do segundo será esta. aprendi isso com minha avó que é velha e atéia.

o sapo

o sapo cansou de coaxar. e o xis do verbo se sentiu louco, bom e deslocado. só aceitou o desafio, a ânsia do fio, o desreto, o torto, o calafrio, porque estava ali para colaborar.  nenhuma palavra previu da origem bisonha que aquele xis acabara de perpetrar. então para sempre os brasileiros entenderam isso: o xis no verbo é o coaxar do sapo. [plim!].´

nada melhor

nada melhor do que escrever bebendo. vinho. no frio. com a lareira acesa. sozinha em casa. fotografias espalhadas pelo chão. caderno e canetas na banqueta. computador no colo. uns poucos livros ao lado, acomodados no sofá (mas nenhum dorme, estão acordados). escrevo este texto, esta palavra, esta letra. a. ahhhh. a. agora, neste momento, ESCREVO. UTILIZANDO A TECLA "fixa" SIGO NESSE RITMO DO INÍCIO AO COMEÇO, IGNORO O MEIO E DESLIGO. FIM. refugando o tempo.

cria ao pé

sou uma mulher com a cria ao pé. e mesmo assim todos me querem. os homens torcem o pescoço ao me ver. pedem meu telefone quando trocamos meia dúzia de palavras. e minha cria está sempre ali, altiva e ativa, mostrando para todo mundo que aquela bandeira ao meu lado é dela - foi ela quem fincou. enfim, sou uma mulher com a cria ao pé. recém pari, como uma vaca, como uma ovelha, mas sigo meu caminho ciscando feito uma galinha. feliz da vida porque o mingau do meu filho é de milho. feito por mim, a melhor mingauseira da vila.

enfim, setembro

neste primeiro de setembro, sol e um post florido. orquídeas, rosas, margaridas, tulipas, marias-sem-vergonha, bromélias, dálias, camélias, crisântemos, lírios, gérberas, hortênsias, lavandas, narcisos, girassóis, cravos e begônias.