quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Disse

Disse que não lavaria mais as minhas calças de abrigo. Disse que da próxima vez que encontrasse na tulha aquele trapo puído, desbotado, fétido, encardido, o jogaria no lixo. E eu achei isso um ato de terror.

Disse para eu não comer mais margarina. Disse para excluir da dieta aquela gordura hidrogenada interesterificada, corada e aromatizada artificialmante pelos nocivos Cs e Ps, composta de ácidos sulfúrico, benzóico e butil hidroxitolueno que em nada ficavam atrás da soda cáustica. E eu achei isso explosivo.

Disse que a ordem dos cds estava trocada. Disse que embora eu não entendesse qual, a sua arrumação tinha um critério - subjetivo, mas tinha -, que havia passado a juventude inteira investindo naqueles tesouros - tanto que não virou  alcoólatra e ainda conseguiu decorar o lugar de cada um na fila - e que portanto devia ser respeitada (a ordem ou ela?, não entendi qual). E eu achei isso confuso.

Disse, com cara de mais boazinha, que cuidaria de mim e que eu cuidaria dela. E não disse mais nada. Eu acho que isso é amor.  



p.s.

esgotei minhas forças na redação de tanta coisa rija. agora, blop-blop, o blog e o suspense da areia movediça... teclinhas queridinhas, meus dedos têm imãs e vocês são feitas de ferro. essa xícara é feita de ferro. as paredes são feitas de ferro. e eu sou uma lagartixa!


mole mole pum!

#prontofalei.


 Meu bem,

Venho por meio deste singelo bilhetinho (que nem é azul) dizer que está tudo acabado entre nós. A culpa não é tua, de forma alguma. A culpa é minha. Não deixei de te amar, bem capaz. Te amo cada dia mais. Queria poder dizer que cago e ando pra ti. Mas estaria mentindo. Contigo fico constipada e tudo pára. É isso. #prontofalei.

de pronto escrevo e publico

depois leio.


deixo por alguns dias o texto quarando. 
abondono-o à sua própria sorte, pra que ele se vire sozinho com a luz que tem. sou mãe desapegada, escrevedora sem alvo, leitora sem pressa.

escrevo no mormaço, quando o céu está branco de cegar. só leio quando chove.



Ontem pari um traço que hoje a chuva faz palavra.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nosso amor

Nosso amor venceu a distância, o desespero e o tédio

Nosso amor venceu o desencanto, o desapego e a crença.

Nosso amor venceu o medo, a paixão e o desprezo.



Nosso amor venceu, igualzinho às estórias que eu leio...
 


Nosso amor desconhece a indiferença. [rá!]

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

homencida

Ele escreve para não sofrer calado - um homem mudo é um homem morto. 

E depois espalha pela rede palavras ásperas das quais todos reclamam - para matar.

superemail

Escrevi um superemail para aquela mulher. Aquela mulher cujo marido saiu de casa deixando apenas um bilhete, comunicando oficialmente a separação. 

Escrevi que entendia sua frustração. Frustração convertida na dor que me comovia. 





"A culpa não foi minha", escrevi também.

sábado, 27 de outubro de 2012

emburrada

se eu não fizer o que você espera, você se afastará de mim. eu sei. não adianta negar. você me quer inteira ou mais nada. o caminho do meio é território inóspito em sua alma. não vejo pegadas, só o vazio da poeira assentada. 

você me quer do seu jeito, mesmo emburrada.

filha,



você tem que enxergar o outro antes de falar. você tem que prender o seu olhar. você tem que fisgar o seu ânimo. você tem que alcançar o seu segredo. vocêm tem que acolher o que o ronda. e capturar o que o escapa.

você tem que ofertar mais que palavras.   

perceber.

idéia conviva

a idéia não fica muito tempo na minha cabeça. isso porque ela não é minha, ela é do mundo. ela apenas me visita. é preciso aproveitar o momento. é preciso tratar bem a visita, a hóspede, a conviva. 

a idéia é uma conviva que sempre ajuda a preparar o banquete.

para quem se achega dando, eu faço tudo o que posso. 

bem-vinda!

é os pingo da chuva

me molhar. foi isso que pensei quando começou. não estava calor (nem frio). mas o brilho das coisas na rua me atraiu. desejei me esfregar naquela cintilação. eu estava empoeirada feito uma estante de livros lidos. e sabia que aquela luz molhava. 

LA doR

quando veio a dor de dente veio também a dor no coração. 
não necessariamente nessa ordem. ela nunca sabe o que vem primeiro. 
ordem não é matéria de sua alçada. 

seu dia nasceu mais cinza. restos de lixo povoavam sua varanda. o apito do trem não parecia tão longe. o sinal da net estava fora do ar. havia poças de mijo estacionadas nos cantos da casa. os cachorros estavam tímidos.

o lado direito da face ardia. o coração batia tenso. parecia que estava rachada por dentro.

a casa é o lar do corpo que é o lar da alma. 

na casa habitam luz, lixo, som, televisão, mijo, cachorros. no corpo habitam dente e coração. 


da rachadura, hospedada na alma que não é lar de nada, escorre dor. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

in_o_ & aqui_o_ ◄ clique pra voltar: minha vida na caixa de fósforos

in_o_ & aqui_o_ ◄ clique pra voltar: minha vida na caixa de fósforos: eu sou uma formiga. vivo aqui desde que me perdi da trilha. foi por culpa de um garotinho travesso. ele tinha olhos grandes e mãos enormes. ...

habitar

habitar é um processo. logo que cheguei aqui, nada era meu. os dias passavam estranhos a tudo o que eu conhecia. o chão tremia quando eu caminhava. as paredes rangiam. o vento soprava sacudindo os vidros. os vidros opacos impediam a entrada da luz. a rua ficava apartada e a casa era deserta de mim. com o tempo aprendi o lugar das coisas, as manias das coisas, o som que elas produzem e porquê. pedaços de mim foram povoando a sala, o quarto, a cozinha e o banheiro. fui me instalando em partes. e a rua entrou pelas janelas.

funerária

Ao lado da minha nova casa tem uma funerária. A princípio não gostei, impliquei com os cadáveres. Mas, de tanto implicar, acabei vendo o lugar como um salão de beleza para corpos. Pensei no agente funerário fazendo uma escova, antes da maquiagem. E virou diversão: penteados, unhas, depilação, sobrancelha, quem sabe até uma drenagem linfática - para recircular. Eu realmente confiei naquele agente. Isso adoçava essa que um dia também será cliente. Até que, numa tarde ensolarada de domingo, descobri que, enquanto atende, o defunto stylist ouve Michel Teló. Meu castelo demoronou num ritmo repugnante.

Partir com elegância é um direito irrenunciável.

amiga morta

Gosto de pegar um livro esquecido na estante e encontrar, na primeira página, o nome da amiga morta escrito com sua grafia. Parece que as voltinhas da linha, um dia traçada de seu próprio punho, a trazem de volta. Não é prazer mórbido, aviso. Ao contrário. É estesia vívida, coisa bela e ardente. Eu me transporto nessa coisa que, de revolver, me devolve - com o livro na mão, sorrindo mais que antes, sentindo que ela me espia do outro lado do portão.