quarta-feira, 17 de julho de 2013

encontro com walter

chegou vestido de preto. todo de preto. terno e sapato social. estranhei. desde sempre foi meio hippie, maloqueiro até. sentou do meu lado na mesa. sorriu pra mim. e comecei a conversa. "o que achaste?", perguntei. "achei um tanto ininteligível", respondeu. "como assim?", perguntei. "não entendo o que tu escreves. acho que não entendo. fico em dúvida", respondeu. eu não entendi se a dúvida era sobre o teor dos meus escritos ou se era sobre o fato de não entender. fiquei muda. percorri as paredes com os olhos. achei brega um pôster do van gogh emoldurado de dourado, com paspatur azul. eu quis acender um cigarro, mas era proibido dentro no bar. eu quis ir pra rua, mas previ que walter não me acompanharia. fiquei ali. não gostei do relógio da pepsi pendurado na parede. e também da luminária em forma de castiçal. na pista começou a tocar stones. sympathy for the devil. tirei walter para dançar. "está muito frio pra dançar", foi o que ele respondeu. depois dessa, bebi mais uma dose de gim. percebi que, da mesma forma como escrevo, começo os encontros sem ter a menor idéia de como chegarão ao final. simplesmente vou. sou ousada. "eu gostaria que tu escrevesses algo sobre os meus escritos. algo simples. só para mim", cutuquei a onça. walter coçou o olho e suspirou. meu pedido pareceu um fardo. "vou ver o que posso fazer", respondeu. depois dessa, tive certeza de que tomaria uma terceira dose de gim. meu pai disse que gim é o fim da linha. pois bem, eu queria mesmo chegar lá. "estou atolado de trabalho. duas encomendas pra site e provas dos alunos pra corrigir", walter comentou para me sensibilizar. "que bom, hein. eu continuo escrevendo a esmo, pra ninguém ler", comentei para sensibilizá-lo. "isso é bom. o descompromisso liberta", disse ele. "verdade. mas não aguento mais almoçar sanduíche", eu disse eu. "estás vendo? esse tipo de texto que acabaste de falar é que me intriga nos teus escritos", disse ele. "caralho, walter. tu não consegues fazer a ponte entre causa e consequência?", falei. "boa. outra tua", falou. "não me oponho à narrativa. só que meu foco é escrever", falei. "se tivesses feito a graduação em letras te darias conta das besteiras que falas", atacou. "se tivesses feito a graduação em artes entenderias os meus escritos", ataquei. "tu cometes erros crassos. confundes o mais básico. o que te salva é a tua imaginação", retrucou. "justamente o que te falta como leitor", retruquei. walter emudeceu. percebi que ele fazia o mesmo que eu nessas horas, lambia as paredes com o olhar. "gostei da decoração", disse ele. "vai te cagar, walter. antes que tu te esquentes e possas dançar", terminei a conversa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário