sábado, 30 de julho de 2011
aperitivo
O apartamento era amplo, dava para andar de bicicleta sem se bater nos móveis. Ele foi gentil desde a minha chegada. Me serviu um suco de bergamota. Com gim. Disse que era um drink campeiro muito comum na fronteira com o Paraguay. Depois, puxou da estante um vinil, e não me deixou ver qual era. Ao colocar o disco no prato, fez supense. Queria que fosse surpresa. Fiquei hipnotizada por aquele gesto, vivi um slowmotion. Como em filme. E como já vivido por zilhões de pessoas. Mas não por mim. Só quando o mundo recomeçou a girar, me dei conta que tocava O dia em que a terra parou. Sim, sim, sim: tocou Raul. Foi tudo tão louco e mágico que não percebi o indefectível clichê. Era 1998 e eu apenas dei uma reboladinha, como num passinho de dança, pedi para aumentar o som e elogiei o drink.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
"o teu texto é fraco"
Foi isso que a mocinha disse para o mocinho quando em resposta ao seu robusto "eu te amo" ele respondeu meramente "idem".
é preciso ser suscinto
quando não há tempo e/ou paciência.
quando a palavra surge exata ou quando a frase nasce pronta.
o menos é mais quase sempre quando o assunto é texto. eu acho. a não ser que o escritor seja também poeta. a não ser que o novelo seja feito de fios de lã de ovelha, crespos e mesclados.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
que eu sei ser doce
me disse um rapaz que me achava azeda. a palavra era essa: azeda. menos mal que amarga, pensei me sentindo uma bala azedinha (das vermelhinhas).
isso vai ser massa
não interessa o que digam, isso vai ser massa. essa farinha a gente mistura com um litro de leite e dois ovos. inteiros. depois amassa, mistura e amassa - até ficar bem misturado. o bom é sovar. sovar com vigor e ritmo. para ficar fofo, um bolo fofo. mas antes isso vai ser massa.
quarta-feira, 20 de julho de 2011
faz de conta que hoje é sábado
comer bolinho de chuva. não trabalhar. dormir de conchinha com o gato. ouvir a musiquinha dos telhados. não precisa regar as flores. desligar o celular e os computadores. faz de conta que hoje é sábado.
diazinho
diazinho bem mais ou menos, esse. chove tanto que não dá para usar sapatilhas.
a casa chora como se tivesse recém nascido: paredes vertentes, vidros e espelhos embaçados. corpo úmido com visão turva.
(a piscina do vizinho está transbordando). (estado de alerta no formigueiro).
a casa chora como se tivesse recém nascido: paredes vertentes, vidros e espelhos embaçados. corpo úmido com visão turva.
(a piscina do vizinho está transbordando). (estado de alerta no formigueiro).
dia de hoje
ei vocês que me perguntam coisas para as quais não tenho respostas. ei vocês que me pedem ajuda em horas impróprias. ei vocês que me deixam tonta de tanto ouvir ou falar. ei vocês que sujam toda a minha louça sem culpas. ei vocês que me desafiam, me desafinam e me desinquetam. ei vocês que me obrigam a comprar erva para chimarrão. ei vocês que me enchem o saco mesmo sabendo que estão enchendo o saco. ei vocês que não desistem de mim. SAIBAM: "se tu vens às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz".
segunda-feira, 18 de julho de 2011
As mãos de Holga
Não adianta ser livre se não se sabe para onde se quer voar, me disse Holga não me lembro quando. Só sei que ela segurava um cigarro e que as veias de sua mão estavam mais azuis que o de costume. Só sei que me senti uma pomba, daquelas que pousam no chafariz da Prefeitura porque têm preguiça de desviar dos transeuntes. Só sei que sei voar, hoje mais do que antes.
O sorriso de Holga
Só as paixões resistem à velhice, me disse Holga sorrindo com todas as rugas, antes de partir. Guardei o lápis e o papel na bolsa, antes de olhar sua fina estampa desaparecer na esquina, antes de querer ter marcas, antes de me sentir menina.
O nariz de Holga
A autenticidade é a prima rica da inteligência, me disse Holga na nossa última conversa. Antes que ela começasse a discorrer sobre os respetivos conceitos, juízos sintéticos e definições poéticas, puxei da bolsa lápis e papel para desenhar aquele nariz exato - que tanto invejo e que, se eu pudesse, imitaria.
Elas estão descontroladas
Desejam destruir os telefones mudos. Pensam em publicar recados desaforados. Planejam dizer asburdos. Almejam mandá-los à merda. Querem deixá-los irritados. Dizem que vão acabar com essa coisa lerda. Aspiram jogar várias pedras. Traçam estratégias que as levarão à lona. E prometem rolar nessa lona com outros para transformar o pouco em nada. Elas estão apaixonadas.
sábado, 16 de julho de 2011
Caixa vazia
Uma caixa vazia espera por seu preenchimento. Ela aguarda o que está para ser guardado e levado embora, junto com ela. Está sendo despejada dessa casa, onde viveu por cerca de três anos como um cubo maciço. Sempre guardado o útil, sempre guardado o necessáro. Hoje ela foi esvaziada. Tiraram-lhe tudo o que já lhe fazia parte, tudo o que já lhe era familiar - suas entranhas. Depois de preenchida, ela irá embora junto com coisas inúteis e migrantes que jamais vira. Sem saber para onde.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
O jardim, hoje
Chovem folhas neste jardim de mato.
Os cachorros correm, des-lisando o barro.
As formigas dormem, porque está frio e venta.
As lesmas dormem, porque ainda é dia.
Os vizinhos dormem, porque o despertador está sem pilha.
A cafeteira dorme, porque acabou o café.
Mas o jardim desperta para o seu considerável quorum: infinitas folhas mortas, dois cachorros-loucos e eu. Enquanto o mato cresce. . bagunça n do tudo
Os cachorros correm, des-lisando o barro.
As formigas dormem, porque está frio e venta.
As lesmas dormem, porque ainda é dia.
Os vizinhos dormem, porque o despertador está sem pilha.
A cafeteira dorme, porque acabou o café.
Mas o jardim desperta para o seu considerável quorum: infinitas folhas mortas, dois cachorros-loucos e eu. Enquanto o mato cresce. . bagunça n do tudo
domingo, 10 de julho de 2011
O batismo
O nome do meu tomateiro é Edson, ele me disse. Fumei um cigarro inteiro pensando nisso. Aí tomei fôlego e batizei minha pimenteira de Edna.
só muda quando chove
estes cachorros revezam a guarda. tão organizados. cada um no seu posto, batendo o ponto. na hora certa. no lugar exato. as funções são as mesmas: controle e cuidado. tudo muito sincronizado. coreografia bem marcada. nos dias secos e povoados.
a terra endureceu. de seu movimento, só algum vôo de poeira. as plantinhas que buscam a superfície têm de adiar seus planos. as minhocas que se divertem desenhando mapas têm de adiar seus planos. as pessoas que gostam de carimbar pegadas, também. nos dias secos.
a terra endureceu. de seu movimento, só algum vôo de poeira. as plantinhas que buscam a superfície têm de adiar seus planos. as minhocas que se divertem desenhando mapas têm de adiar seus planos. as pessoas que gostam de carimbar pegadas, também. nos dias secos.
sábado, 9 de julho de 2011
Encerramento
Estava tudo tão bonito: luz de velas, muita gente, mesa farta e algum silêncio. Silêncio ruidoso, mas era. Ficamos em volta da mesa, observando os gestos dos convivas - que não nos viam. No meio daquele quase-silêncio ouvíamos uma só voz que, de tempo em tempo, dizia: um passo para o lado. E então tudo de novo acontecia: mãos brincando de olhar. No fim, acendemos as luzes, comemos os restos e brindamos o dia.
sexta-feira, 8 de julho de 2011
são três horas da manhã
Vamos nos deitar, meu bem? Vamos enfim, nos render ao horizonte, fazer parte dessa ponte onde dorme o amanhã?
preguiça
ando com preguiça de revisar esses textos. encontro desacertos, encontro desencontros. mas estou sem saco para sustentar a impermanência disso aqui. não sou tão colaborativa (e nem tão caprichosa). prefiro postar um novo. como agora, como antes, como como. sou gulosa.
sim,
não gosto de rimar tanto. detesto quando estou assim. me irrita tecer esse pranto. não foi pra isso que eu vim.
quando
quando a palavra é lida, vira outra. é sempre assim. cada cabeça tem seu dicionário. nele mora a diferença entre ti e mim.
amigas
me falam sobre suas vidas e eu ouço calada. colho do discurso cada palavrinha, cada pausa, cada arquear de sombrancelha, cada suspirinho. depois, com a cara de pau que Deus me deu, os planto em lugares outros - como se aquilo tudo fosse meu.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Foi assim
No fumódromo.
Para o único que estava mudo, ela falou: vamos dançar!
Acordou no décimo segundo andar, olhando pela janela de vidros limpos todo um passado tombado. Universo outro. E ele sentado, acordado. Ouvindo músicas que ela não conhecia. Então ela foi embora, comer sozinha aquele momento - degluti-lo com seu ácido corrosivo. Verde fluorescente.
Para o único que estava mudo, ela falou: vamos dançar!
Acordou no décimo segundo andar, olhando pela janela de vidros limpos todo um passado tombado. Universo outro. E ele sentado, acordado. Ouvindo músicas que ela não conhecia. Então ela foi embora, comer sozinha aquele momento - degluti-lo com seu ácido corrosivo. Verde fluorescente.
domingo, 3 de julho de 2011
sábado, 2 de julho de 2011
o mau gosto não tem limites
detestamos roupas estampadas. odiamos livros de auto-ajuda. execramos filmes do van damme. não suportamos café fraco. e nos negamos a ouvir pagode.
mas uma novelinha das oito vem bem.
[o bom gosto tem].
mas uma novelinha das oito vem bem.
[o bom gosto tem].
para dormir antes das duas
textotextotexto, digníssimo texto, pare de soprar.
escritosexecritosexcritos, prometa me deixar.
escritosexecritosexcritos, prometa me deixar.
ausência, presença da falta
o buraco está aberto. cabe uma melancia nesse lugar. daquelas que se pendura no pescoço, antes de subir no poste.
areia nesse pote não dá
a janela ficou aberta. os papéis voaram de cima da mesa. um deles parou no pote d'água do cachorro. era o desenho de um mosquito. eu devia ter previsto.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
palavras de Holga III
"Nem todo mundo que escreve é escritor. Há toda a espécie de aventureiros nesse campo. Muitos são leitores aprendendo a vomitar".
(Holga Lo-fi)
palavras de Holga II
"Muita gente tem medo de quem escreve. Escritores são naturalmente não confiáveis, porque seu pudor e ética têm muitas vozes".
(Holga Lo-fi)
palavras de Holga I
"A maioria dos escritos só faz sentido para mim - e ninguém mais. Catálogo de exposição e estupidez que só a mim compete".
(Holga Lo-fi)
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