quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Regina e o ovo [I]

"Toda a minha loucura cabe dentro do ovo, ovo gigante, o mais gigante que possa ser", disse ele, com cara de intelectual. Usava óculos de lentes e aros grossos que acentuavam sua postura nipônica. Vestia uma camisa xadrez e um allstar canoa, gasto. Tudo azul. A perna esquerda estava cruzada sobre a direita. Sua expressão esboçava a paz que ainda estava por vir. Seu futuro seria diferente do que havia planejado, mas infinitamente melhor. Seu nome é Paulo. E a mulher ruiva sentada à sua frente era Regina. 


Num bloco surrado, Regina anotava frases esparsas, especialmente coisas que Paulo falava sem dar a devida importância. O bloco nem fechava mais, de tão usado. Páginas abauladas continham o material necessário para o relatório conclusivo e o consequente processo de reparação. O bloco surrado, de certa forma, era ovo. Para Regina, era.

No final dos encontros, Paulo nunca abraçava Regina. Ela desejava ao menos um aperto de mão. Mas não. Paulo evitava o contato físico, por mais ínfimo que fosse. Regina guardava esse desejo com culpa, mas com uma inconsciência diretamente proporcional. Esse fato, portanto, não entrava no ovo que Regina queria completo. E gigante.  


No final do encontro seguinte, em que Paulo estava mais assertivo e Regina fez muitas anotações, o homem meio japa estendeu a mão na direção da mulher ruiva. Como num reflexo invertido, ela lançou a mão pra trás, e, quando percebeu, disfarçou, afrouxando o cinto que lhe marcava a cintura. Paulo saiu sem dizer nada. Regina sentou na poltrona amarela e teve vontade de chorar. Mas não chorou. 

Faz quarto anos que Regina não chora. Faz quatro anos que conhece Paulo. Faz quatro anos que o tal ovo só aumenta. 

Até agora nenhum diagnóstico, nenhum veredicto. Só aquela espécie de inquérito que não chegava a lugar algum. Só o caminho de 1.460 dias traduzidos em paisagens inóspitas, nas quais Regina não tinha vontade de ficar. Quando encontrava um oásis, ansiava o deserto; quando encontrava o deserto, buscava água - cobiçava a chuva ou o mar.  E assim construía-se o relatório nada conclusivo, que mais parecia um painel de cartões postais de uma vida inteira com férias anuais. 

A demora era o alimento do ovo, que, por sua vez, nutria aquela investigadora ruiva que desaprendeu a chorar. E as coisas ditas por Paulo, no ver da cientista ruiva, eram o próprio ovo ainda não suficientemente gigante. 

Até onde se estenderiam esses encontros? Até quando?

Regina não tinha pressa e Paulo não tinha foco - conjuntura perfeita para o agigantamento do ovo. 

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