quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Regina e o ovo [IV]

"Eu não esqueci que não sou um pinto. Depois que comi o ovo gigante da minha loucura, fiquei grande demais para permanecer nessa casca. Ela me aperta. Quero andar na rua. Contigo", disse Paulo, pela primeira vez referindo-se ao outro. "Contigo", ele disse. 

Regina sentiu o coração disparar. Sua tez de boneca de porcelana brilhou. Seus cabelos ruivos incendiaram. E, dessa vez, quem fugiu do assunto foi ela:

- Só comigo?
- Sim.
- Por quê?
- Porque podemos comer o omelete juntos.
- Como? - insistiu, com olhar de cientista maluca.
- Dizem que ovo podre faz muito mal. E eu nunca quis morrer sozinho.
- Por isso fizeste o que fizeste?


Paulo curvou-se feito um tatu-bola e perdeu-se em pensamentos. Regina pulava de foco em foco, e não achava palavras para expressar no bloco de anotações aquela pausa abrupta, o clímax daquele estampido mudo. 

- Paulo, para enxergares a rua, primeiro terás de reconhecer tudo o que tem dentro do ovo gigante - foi o que Regina conseguiu falar. 
- Estou tão acostumado com as rachaduras que já não sei o que está fora ou dentro.
- Seja mais específico. 
- Acostumei com tudo o que vejo e já não reconheço coisa nenhuma. É isso.
- Paulo, tu precisas ver melhor.
- Como?
- Até se deparar com o germe desse mostro gigante que tu chamas de ovo. Descobrir o que é, afinal, esse ovo.
- Cansei. Estou suando muito. O suor entra no olho. Arde.
- E a vontade de andar na rua?
- Desandou. E está fedendo. 

Dito isso, Paulo calou-se. Regina também. Ele balançava a perna cruzada, espantando moscas invisíveis. Regina anotou no bloco surrado: "Parece que Paulo não quer nascer". 

O passeio havia sido negado pela direção. Paulo continuaria em espera, até segunda ordem.  Regina não insistiu, nem lamentou. 

Um homem só nasce quando está pronto, e Paulo não estava. Ainda.

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