quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Regina e o ovo [II]

"Eu me sinto envolto numa casca que me prende e me separa do resto. Se eu correr, temo quebrar a casca e nunca mais ter onde me abrigar",  disse Paulo com os óculos embaçados. Nem os 18 graus do ar condicionado aliviavam a transpiração daquele homem com pinta de oriental. Regina estava à sua frente, com a tez intacta, parecendo uma boneca de porcelana. Só o bloco surrado em que anotava as falas de Paulo revelava que ela era real, que vivia a passagem do tempo como qualquer mortal. 

Nesse dia tórrido, ambos estavam num oásis e a questão da casca veio à tona.

- Por isso tu transpiras assim? - perguntou Regina.
- Sempre preferi o inverno. Detesto calor - respondeu Paulo, suando.


Nenhuma pergunta era respondida de imediato por Paulo. Regina sabia que teria de se esforçar para obter qualquer informação que desejasse. 

- A casca te sufoca? - insistiu.
- Ela me prende, me impede de chegar até a água. Sinto sede, mas o desânimo é maior. Estou transpirando demais, não é?
- Não. Para quem vive envolto numa casca, até que estás bem seco.
- Hã? 

Sem saber o que dizer Regina fixou os olhos no pescoço de Paulo, que pingava feito goteira no temporal. Lembrou que não havia fechado o registro da máquina de lavar roupas. Depois lembrou da conta de luz. E da lâmpada queimada no banheiro.

- A questão é que a casca me separa dos outros, do mundo, do mundo dos outros - disse Paulo, tentando retomar o assunto. 
- Quantos mundos existem, Paulo?
- Tantos quantos forem os habitantes deste planeta, penso eu. 
- E cada um vive numa casca?
- Só os covardes... - falou baixo, com um sorriso estranho - e os tímidos - completou.
- E em qual tu te encaixas?
- Eu não me ancaixo. Estou separado do resto. Meu isolamento me torna incomparável. 
- Entendo - disse Regina sem entender. 

Às vezes Regina mentia - para confortar Paulo, para mudar de assunto ou trocar de paisagem, e para dar tempo de anotar. Depois, ao rever as anotações, arrependia-se.

- Está calor... é bom ficar na chuva, mas eu não gosto - continuou Paulo. 
- Preferes ficar abrigado?Ainda que apartado do "resto"?
- Sim. Mas o incrível é que destesto guarda-chuvas.
- E abraçar? - provocou Regina.
- Neste aspecto, gosto de guarda-chuvas. Ocupam os braços.
- Sei. 

Dessa vez, Regina entendeu. Não estava mentindo.

Paulo levantou da poltrona forrada de um amarelo mais vivo, secou o suor da testa com as costas da mão esquerda e não estendeu a direita para Regina. Mas disse "até amanhã". 

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