"Ovos quebrados não têm conserto, ainda que façam um bom omelete", Paulo disse antes de se calar por exatos 16 minutos. Regina segurou o silêncio como um halterofilista.
Ela sabia que Paulo era mais afeito à visão que ao paladar, que transpirava em excesso, que fugia de respostas diretas, que evitava contato físico, que detestava calor e guarda-chuvas, que se sentia preso, que temia perder o abrigo daquilo que justamente o prendia e que julgava poder colocar toda a sua loucura dentro de um ovo gigante. Mas Regina não sabia ao certo o que Paulo estava dizendo com aquela frase surrealista ou mesmo dadaísta, metafórica, poética, ridícula, neurótica ou mesmo esquizofrênica. E dessa vez não tentou buscar a resposta. Permaneceu calada, observando Paulo sem anotar sequer uma palavra.
O tempo passava lento para Regina. Para Paulo o tempo não passava.
Ela fez uma lista mental do supermercado. Ele sentia sede, mas não transpirava. Era inverno novamente.
Passados os 16 minutos, Paulo declarou:
- Acho que precisamos sair desta sala. Aqui não é igual a lá fora. Precisamos andar na rua.
- Para quê? - provocou Regina.
- Para provar o omelete.
- Isso não é permitido, vai contra o regulamento.
- Mas estou tomando coragem. Estou disposto a sair da casca.
- Tu não és um pinto - disse Regina, inquieta.
- Hã?
Falsamente plácida, Regina deu o tempo necessário para que Paulo pensasse sobre a própria proposta e retomasse a conversa. Paulo estava longe, parecia atravessar as fronteiras demarcadas pelas margens dos cartões postais reunidos naqueles 4 anos. Enquanto isso, passavam-se os 22 minutos mais longos da história profissional de Regina.
- O confinamento não me transborda mais - disse Paulo, absorto.
- Mas e o medo de abandonar o abrigo?
- Eu não sou um pinto. Não sou mais.
- E o ovo gigante?
- Eu comi. Digeri a loucura. Estou são. E desistindo.
- Desistindo do quê?
- De esperar.
- Esperar o quê?
- Ser aumentado, correspondido.
- E achas que será bom lá fora?
- A vida inteira espiei pelas rachaduras.
- Okay, vou pedir autorização para a direção. Quem sabe amanhã.
Findo o encontro, Paulo estendeu a mão para Regina. E ela retribuiu o gesto sem hesitar.
Agora Regina sabia mais. Sabia que Paulo tinha as mãos frias e que se julgava são.
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