Dlin dlon. Crac.
- O...
- Oi - (interruptivo).
- Oi.
Silêncio.
- E aí? Não vai me convidar pra entrar?
- Vou.
Silêncio.
- Então convida.
- Entra.
Jorge entra. A casa está uma zona. A luz é fraca. Tem um abajur aceso com um lenço vermelho por cima. Leve cheiro de queimado.
- Eu tava passando por aqui, pela rua, e resolvi te visitar.
- Sei.
- Foi isso mesmo o que aconteceu.
- Okay. Então?
- Então sei lá.
- Nem eu.
- Bom, acho que já vou indo então.
- Como assim? Nem sentaste, nem tomaste um café ou uma cerveja, nem nada.
- Pois é, mas...
- Agora fica.
- Tudo bem.
- Senta.
Jorge empurra a montanha de roupas e panos e tralhas para a outra ponta do sofá. E senta.
- Quis ver como tu tá, na real.
- Tou bem.
- Não parece.
- Por quê?
- Porque nunca vi tua casa desse jeito.
- Que jeito?
- Essa bagunça. Daqui a pouco esse abajur vai incendiar.
- Tudo bem, eu não ligo.
- Tá maluca?
- Não. Nunca estive tão lúcida.
- Marina, na boa, não pira. Onde já se viu uma mulher forte como tu se entregar assim por causa do fim de um casamento?
Silêncio.
- Um casamento mesmo. É o teu terceiro, lembra?
- Não lembro não. Pra mim é o único.
- Já ouvi isso antes, gata.
- Bom, se tu veio aqui pra encher meu saco, é melhor ir embora.
- Tou te dando a real. Sou teu amigo.
- Real dada. Pode ir.
- Agora não vou.
- Como assim "não vou"?
- Vou ficar aqui até te ver rindo.
- Então devia ter trazido mala.
Silêncio.
- Tem cerveja?
- Tem.
- Posso pegar?
- Pega. E traz uma pra mim.
- Aheh, gostei!
Jorge volta com as cervejas. Dá uma lata pra Marina e senta no sofá. Marina está em pé, no meio sala, com cara de paisagem.
- Seguinte, Marina, nós vamos sair.
- Não inventa.
- Vamos sim. Tem banda na Zinco.
- Quem é que vai tocar?
- Uns tal de Suspiro.
- Credo! Isso deve ser pagode. Ou new age.
- Não. Parece que os caras fazem um rock progressivo.
- Que deprê!
- Tá com medinho?
- Tou. Argh!
- Bah, tu tá uma velha rabujenta.
- Obrigada.
- Me falaram bem da banda.
- Quem falou?
Silêncio.
- Quem falou?
- Não lembro.
- Lembra sim. Quem?
- Tá... Foi o Clóvis.
- Puta que pariu.
- Deixa de ser chata, vamos lá!
- Mas o idiota vai?
- Não. Se ele fosse eu não te convidaria.
- Espertinho... Não sei o que te dizer.
- Diz que vai.
- Tá bom. Vou. Vou me vestir.
- Põe aquele vestido vermelho.
- Fora de cogitação. Tou triste e gorda. Sem chance.
Marina sai. Jorge fica lendo revistas. Marina volta, vestida num macacão preto.
- Nossa!
- Vou à caráter. Quero ir ao fundo do poço hoje, pra pegar impulso.
- Boa! Tu precisas recomeçar tua vida.
- Do zero, de preferência! - Marina ria pela primeira vez.
Jorge e Marina saem. O abajur incendeia. E tudo mais.
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