segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

wha-wha uin

Wha-wha uin. Tóin.

Jorge a Marina chegam no bar. O bar está cheio. O som é realmente algo entre o rock progressivo e o jazz, "metalizado". Ninguém dança. Todos bebem em pé, vestidos de preto. Marina sente-se despercebida, e gosta de ser tragada pela massa negra. Pede uma bebida igual à dos comparsas, cerveja. Jorge opta por uma vodka com energético. Sentam à mesa colada no palco, em frente ao guitarrista.

- O som está muito alto, não dá pra conversar - Jorge reclama.
- Hã?
- O som. Tá alto demais.
- É.

Finda a primeira cerveja, Marina pega a segunda. O drink de Jorge não está nem na metade.

- O guitarrista tá te dando mole - Jorge diz à Marina, a plenos pulmões.
- Que nada! É contigo a coisa.
- Hã?
- Nada.

Finda a segunda cerveja, Marina pega a terceira. O drink de Jorge está abaixo da metade.

- Som estranho pacas - Jorge diz à Marina, baixinho. 
- Hã?
- Nada.

Um cara com cara de Grande Lebowski senta à mesa junto com a dupla. Ninguém o conhece, ninguém o convidou. Os três assistem ao show como velhos e bons companheiros. Seus corpos balançam no mesmo ritmo. As cabeças formam um corpo de baile. Sintonia impecável.

- Som estranho - Marina diz à Jorge.
- Hã?
- Nada.

Finda terceira cerveja, Marina pega a quarta. Jorge pega um segundo drink. 

- Vocês são daqui? - pegunta o cara com cara de Grande Lebowski.
- Como assim? - perguntam Jorge e Marina em coro.
- Vocês são daqui? De Porto Alegre?
- Eu sou do Centro. E ela é da Cidade Baixa mesmo - Jorge responde sozinho.
- Quê?
- Eu sou do Centro, e ela, da Cidade Baixa.
- Viram o incêndio?
- Hã?
- Deixa.

Jorge pensa que o cara com cara de Grande Lebowski é um mala. Marina pensa que ele é carente. Por isso, ela passa a lhe dar atenção.

- E tu? É da onde?
- Sou do Alegrete.
- Ah, massa.
- Por quê?  
- Sei lá... porque ser do interior é legal.
- Do interior
- Do Alegrete. Olha... se não é capital nem região metropolitana, é interior.
- Não acho.
- É sim. Dá um google.
- Quê?
- No google vai aparecer: Alegrete, interior do Rio Grande do Sul.
- Tu não entendeu. Não acho massa.
- Por que não?
- Ser daqui é melhor.
- Depende pra quê.
- Pra que não seria?
- Pra... dirigir.
- Eu não dirijo.
- Ah, sei. Nem eu.

O cara com cara de Grande Lebowski sai e volta com outra cerveja para Marina. 

- Pra que mais não seria? - ele continua.
- Tava pensando... Pra andar de bicicleta. 
- Não. Lá não tem ciclovia.
- Pra passear a pé, então.
- Não. Lá não tem parques. E as praças são sem graça.
- Como assim?
- Não têm recantos, como tem a Redenção. 
- Recantos... Que merda, hein.
- Pois é. Aqui é melhor em tudo.
- Impossível.
- Por que impossível?
- Porto Algre é um cu!
- Tu tá enrolando a língua.
- Cazpaz.
- Tá sim, guria.
- Hãn?
- Deixa.

Finda a quinta cerveja, Marina pega a sexta. Jorge "vê" o show de olhos fechados, bebendo de canudinho o que resta da sua segunda vodka com energético. O cara com cara de Grande Lebowski está praticamente abraçado naquela Marina, que agora já é só um corpo fácido vestido num macacão preto. 

- Vou me mudar pra esta cidade - o cara com cara de Grande Lebowski diz à Marina.
- Como?   
- Vou morar aqui. Vou aprender a dirigir aqui. Vou ter um filho pra passear nos parques. Vou ter um cachorro também. Pra levar nas praças.
- Nossa! 
- É.
- Tou foga, hein.
- Quê?
- Tu é foda, hein.
- Sou. E tu?
- Tou fora.
- Tu que pensa.
- Isso é... triste.
- Não acho. Acho isso feliz.
- Isso o quê?
- Isso tudo que vou fazer. Aqui.
- Tá. Mas digo esse som...
- Melancólico.
- Deprimente.
- Nostálgico.
- É... Voôu-me embora. 
- Fica. Dança um pouco. Sente o chão debaixo dos pés. 
- Boa. Pegar impulso!

Marina levanta com a longneck na mão. Rodopia e pára numa pose de pas de deux. Está com a Gira no corpo. Jorge pega a amiga pelo braço, e sussura em seu ouvido:

- Esse cara tá querendo te comer. É hora de ir.
- Não. Quero o fundo do poço, Jorrge
- Então vai. Mas pergunta o nome dele antes... pelo menos.

Marina senta no colo do cara com cara de Grande Lebowski. Tasca-lhe um beijo, depois outro e mais outro. Jorge entrega ao cosmos o destino da amiga e foca no palco. 

- Qual o teu nome? - Marina pergunta pro cara com cara de Grande Lebowski.
- Cacimba.
- Hã?
- Cacimba. 
- Esse é teu nome?
- É. 
- Credo!
- Creia.

Mais uma cerveja para Cacimba e dois drinks para Jorge, o trio sai do bar em direção à casa de Marina. São velhos e bons companheiros, sim e mesmo. Caminham numa coreografia cósmica de causar inveja àquele que vem logo atrás, sozinho e discreto. Eis que, vêem fumaça e uma muvuca de gente parada na calçada. 

- Que é isso? - Jorge pergunta à magricela que fuma gudang garam no meio da confusão. 
- Parece que um apartamento incendiou. Queimou tudo. Não sobrou nada. 
- É o teu prédio, Marina.  

Marina olha o entorno com cara de paisagem, abraçada em Cacimba. Cacimba não tem mais cara de Grande Lebowski, tem cara de anjo, pai, policial, xerife, psiquiatra, professor, marido.

- Foi no apartamento dela? - pergunta aquele acima descrito.
- Foi - responde Jorge com cara de abajur, antes de inflamar e ser consolado pelo guitarrista, o invejoso que vinha logo atrás. Dele. 

Cacimba ajeita as coisas - depõe, apresenta documentos, assina, envolve-se. Marina continua com cara de paisagem, mas agora esboça um sorriso indagador. Talvez fascinada de ver a origem das sombras que, dentro do poço, lhe horrorizavam. Talvez porque estivesse zerada. Ou bêbada.
        

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