quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

tic... tac

Tic... tac. Tic-tac.

Marina abre os olhos e enxerga um teto branco, adornado em gesso. O silêncio é cortado apenas pelo barulho do relógio. As paredes são floridas. Papel de parede inglês. Penteadeira. Cama fofa. Lençóis perfumados. O cara com cara de Grande Lebowski. Na cama. Com ela.


Percebe que está de pijama. Um pijama masculino de botões. Xadrez. Azulzinho.

- Onde é que a gente tá? - diz Marina cutucando Cacimba.
- Quê?
- Que quarto é esse?
- Casa da minha tia... Avó.
- Tia? Avó?
- Prima irmã da minha vó...  materna. Tia-avó. Vem cá.
- Peraí, não tou entendendo. Como assim?
- Eu te trouxe comigo.
- Sério? Não lembro...
- Do que tu lembra?
- Do incêndio. E só.
- Pois então... Achei melhor te recolher, ou, melhor, te acolher. Tu tava catatônica... e louca. Ficamos de voltar lá no apartamento as 14 horas. 
- Ai não.
- Ai sim. 

Cacimba dorme subitamente. Marina observa a cara dele dormindo. Ele é mais jovem e menos feio do que lhe pareceu na noite passada. Ele dorme em completo silêncio, nem se ouve a respiração. Ele tem um cheiro bom. Ele está sem camisa. 

Marina levanta para ir ao banheiro. Na saída do quarto, dá de cara com a tia-avó, uma senhorinha cinematográfica - cabelinhos brancos presos num coque, kimono amarelo, batom.

- Oi querida - a senhorinha diz.
- Oi.
- Tudo bem?
- Mais ou menos. Pode ser.     

Marina entra no banheiro. As louças são cor-de-rosa. Toalhinhas com borda em crochê. Tapetinho macio. Tudo é muito bonitinho, exceto a sua cara refletida no espelho. Está um trapo. Lava o rosto com sabonete hiperperfumado. Respira fundo e volta para o quarto, sem olhar para a senhorinha.

- Cacimba, seguinte, cadê o Jorge?
- Quê?
- O jorge, cadê?
- Ficou com o guitarrista.
- Não acredito.
- Mas é.


Marina não consegue dormir. O tic-tac a incomoda. Lembra-a as 14 horas. Lembra-a o incêndio. Lembra-a que esqueceu de como foi parar naquele quarto estampado. Ela jura que não vai mais beber. Desfaz a jura e agradece a São Longuinho por encontrar-se ali, quando (e onde) o abraço de Cacimba sossega o seu pensamento. É agraciada pela sorte dos loucos, e emerge no estado de vaziez mental que vivenciara na noite fatídica.

O tic-tac faz curvas nos adornos de gesso do teto.

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