segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Quilópode

Acordou estranhando o barulho da casa às seis e meia da manhã. A mulher que mora lá não costuma acordar tão cedo. Ainda mais quando dorme tarde. Há cerca de quatro horas ela estava com o som à toda altura. A música era em outra língua, percebeu. 

Foi então que botou a cabeça para fora da toca e espiou entre os arbustos. A casa já estava aberta. Havia um cheiro de café e desinfetante que saía pelas janelas e invadia o pátio - o que tornava a paisagem sinistra, como prestes a uma catástrofe, sentiu.

Eis que a mulher apareceu na porta com uma vassoura na mão e cara de gladiador. Ela usava um vestido amarelo que lhe cairia muito bem, não fosse o puído, o encardido, o amassado. Em tempos remotos, aquele vestido deve ter sido usado em ocasiões festivas. Agora era só um vestido de faxina, soube.

Estava ciente de que, depois da casa limpa, o pátio seria atacado e escarafunchado pela gladiadora vestida para matar. E que, nesta batalha, ela viria armada com tesoura, pá, ancinho e sacos plásticos pretos aterrorizantes. Com tal vaticínio, lhe veio a raiva e o medo - o desespero de quem tem cento e trinta pernas curtas demais para correr. Quem não tem um corpo favorável deve saber pensar, pensou. 

Foi aí que teve a grande idéia: rolou a pedra mais próxima até a borda da toca, provocando o cachorro até que ele mijasse em cima da tampa improvisada, fixando-a no solo arenoso. E, encolhido no escuro, rezou para Santo Expedito. Com fé.   



Nenhum comentário:

Postar um comentário