sábado, 5 de fevereiro de 2011

carta para meu gato [Ella]

Meu nome é Ella e eu tenho vinte e quatro anos. Detesto o meu nome. Muito impessoal. Parece um pronome. É um pronome. Disfarçado. Um éle a mais não o absolve. Minha mãe teve essa brilhante idéia, esse rompante de originalidade, quando estava grávida de mim e passava as tardes ouvindo Ella Fitzgerald. Bem bacana. Para ela.

Agora eu serei a tua mãe. Tua dona. Tu serás meu. Cuidarei de ti até que fiques velhinho e parta dessa pra uma melhor. Tu estavas tão triste quando te encontrei. No meio daquela sujeira tu nem ficarias velhinho. Pobrezinho.  Tão magro. Logo estarás gordinho como o Be, teu irmão adotivo. Ele é mais velho, deves respeitá-lo. E aproveita para aprender com ele as malandragens e os malabarismos. Não seja idiota.  

Teu nome será Bó.  Por quê? Para combinar com Be. E porque eu gosto da letra ‘b’. Por isso teu irmão se chama simplesmente Be. Não, não é vingança. Nem recalque. Ella é muito pior que Bó. Bó é muito mais simpático. E não é pronome. Nem nada mais que duas letrinhas, o que te dará identidade. Um ‘b’ e uma vogal aberta. Que bonitinho! E ademais, gosto do número dois. Gosto de nomes simples. Pensa: ficará mais fácil pra ti aprender o teu nome. Gosto de tudo simples. 

Daqui a pouco Benvindo, teu pai, chegará do trabalho. Se ele for indiferente ou grosseiro contigo, não dá bola. Ele demora para assumir os afetos. Mas é boa pessoa. E cuidará de ti mesmo quando estiver alérgico. Mesmo quando estiver sem saco. Mesmo quando estiver sem sorte. Mesmo depois da morte. E eu também.

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