terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Querida

“Querida”. É assim que Reginaldo a chama desde que se reencontraram.

Depois de anos sem se ver, se esbarraram na saída do cinema. Sessão das dez. Reginaldo, gordo, de cabelos curtos e barba espessa, vestia camisa social xadrez. Azul-clarinho. Querida gostou. Ele estava o oposto do que havia sido: um guri franzino, cabeludo, que nem barba tinha. E que só vestia camisetas pretas de bandas de rock. Já ela continuava a mesma, porém abandonara as botas de plataforma. Usava sapatilhas.  

Na noite do reencontro Reginaldo contou sua vida à Querida, recapitulando os acontecimentos a partir do dia em que se separaram –  como se uma retrospectiva pudesse devolver a eles o pedaço de história que lhes faltava. Querida, calada, apenas ouvia e assistia Reginaldo. Ela não lembrava que ele tinha o hábito de gesticular muito. E que conjugava os verbos no tempo correto da segunda pessoa do singular.

Do café passaram ao chope, e do chope para outros incontáveis chopes. Já eram quatro horas da manhã quando Reginaldo convidou Querida para ir ao seu apartamento, ouvir aquele álbum dos Stones que tem um bolo de aniversário na capa. E ela topou.

Num primeiro momento, Querida estranhou o lugar: paredes azuis, móveis de Gramado, luz branca. Ela sentiu-se presa num banheiro gelado. Ou na tumba de algum faraó da serra gaúcha. Mas logo Reginaldo acendeu o abajur e tudo ficou mais quente. “Let it bleed”, Querida pensou sorrindo. 

Depois desse encontro, houve outros da mesma natureza. Querida calada e de sapatilhas, Reginaldo falante e de camisa social. Quase sempre xadrez.   

Até que Reginaldo sumiu. E, com esse sumiço, sumiu a alegria das noites de Querida, sumiu a estampa xadrez que confortava suas retinas, sumiram todos os verbos na segunda pessoa do singular.

Faz quase duas semanas que Reginaldo está sumido. Querida está ansiosa. Ansiosa e triste. Mas resolvida: ligará para Reginaldo daqui a dois minutos e dirá, com nem todas as letras: meu nome é Laura, tu entendeu?   



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