quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

o Realismo no estúdio do pintor

trecho da leitura de imagem da obra "O estúdio do pintor", de Courbet

texto publicado íntegra no blog http://temnosotao.blogspot.com/


Courbet foi um defensor do Realismo, que pregava que arte deveria tratar de fatos comuns, sem comentários morais nem idealizações. Segundo JANSON, Courbet começou como um romântico neobarroco, mas, influenciado pelos levantes revolucionários que varriam a Europa, chegou à conclusão de que a ênfase romântica sobre o sentimento e a imaginação era uma fuga à realidade da época – o artista moderno devia confiar em sua experiência direta, devia ser um realista

Na obra  “O estúdio do pintor”, de 1855, Courbet faz uma crítica social. É uma das obras recusadas pela Exposição Universal, em Paris, quando o artista reagiu construiundo um pavilhão onde expôs 44 obras que chamou de “realistas” – um marco desse movimento.
Courbet registrou suas reflexões enquanto o pintava "O estúdio do pintor", por isso dispomos de informações indubitáveis que  elucidam a leitura dessa obra. Sabemos que à direita do pintor estão personagens reais, amigos do artista, e que à esquerda estão aqueles que segundo ele próprio “florescem com a morte”: não só seus inimigos e as coisas que ele combatia, mas também os pobres, destituídos e perdedores na vida.
Talvez com o intuito de esclarecer quais eram suas intenções, a obra vem com um estranho subtítulo: “Alegoria Real, Histórica, Moral e Física que resume um período de sete anos da minha vida artística”. Nessa tela Courbet realiza um novo tipo de alegoria, uma “alegoria realista”, uma síntese simbólica da sociedade de sua época, com todas as camadas sociais representadas.

E é um ato-retrato. Ele se representa pintando uma paisagem, ao lado da mulher nua, que para muitos estudiosos seria a representação da verdade.

A corrente predominante na arte ainda não considerava a paisagem um tema digno de um pintor sério – e Coubet parece estar se opondo a esta opinião, questionando as idéias vigentes no sistema das artes.   
Courbet lutou pela independência do artista, que neste quadro, é o centro da obra - está no centro da composição. A partir daí, ele assinala um novo horizonte de possibilidades para os artistas, livres de preceitos morais e encorajados a seguir seu próprio caminho, sem contar com qualquer outro pressuposto além do ser fiel a seus próprios princípios – sinalizando o rumo que tomaria a arte moderna no século posterior.

“O estúdio do pintor” é, para CUMMING, um manifesto onde o artista declara suas crenças e opiniões. Nesta obra ele declara sua idéia de que a pintura tem exigências próprias e escancara sua negação aos arranjos convencionais. Os historiadores consideram esta a obra mais ambiciosa de Courbet, a sua declaração de independência.

Concordo com JANSON: “O Realismo de Courbet, então, foi mais uma revolução temática que uma revolução no estilo". (p. 329).

Assim como muitos historiadores, penso que Courbet foi um artista imprescindível naquele momento histórico. Ele questionou as convenções vigentes no sistema das artes, opondo-se ao classicismo e ao romantismo com propósitos sociais e artísticos. Seu Realismo provocou uma revolução temática e, com isso, uma nova forma de ver a arte – questão que veio à tona nos movimentos artísticos posteriores. “O estúdio do pintor” é uma obra que resume as idéias do artista: Courbet explora ao máximo sua crítica social e suas convicções realistas, colocando o artista no centro da composição, ou ainda, a arte no centro daquele universo.

Pensando sobre o estranho subtítulo “Alegoria Real, Histórica, Moral e Física que resume um período de sete anos da minha vida artística”, penso ainda que “O estúdio do pintor” remete a uma questão que por muito tempo esteve em discussão na arte contemporânea: a natureza da arte, ou, “o que é arte”. Penso que neste trabalho Courbet está de algum modo questionando o “ser ou não ser arte”. Ele  apresenta, no centro da composição, outra pintura sendo feita - uma paisagem, tema tantas vezes rechaçado do mundo das artes. Então, mesmo levando em conta que para Courbet arte seria a representação da realidade da vida, que para ele havia esta afirmação, penso que, diante de todas aquelas figuras representadas na cena (intelectuais e povo) e diante de todo o público que viesse a se deparar com a obra, Courbet acabou questionando a natureza da arte, ainda que sem intenção. 

Porque uma alegoria moral requer um pensamento crítico-filosófico. Porque uma alegoria física implica a importância da matéria (pintura). Porque o resumo de sete anos de uma vida artística pressupõe um pensamento que chegou à afirmação de que arte é a representação da realidade. E porque se a obra “O estúdio do pintor” é arte na medida em que representa a realidade, o que seria aquela paisagem que ele pinta ao lado da verdade?

Segundo os historiadores seria um novo tipo de arte, uma paisagem realista que representaria a terra natal do artista. Mas quem sabe, por ironia, não seria a pintura do que ele não vê, uma paisagem imaginada? (já que está fechado em seu ateliê). Se assim fosse, para quem nunca pintou um anjo porque nunca viu um, aquela paisagem poderia não ser arte. Seria apenas pintura. Haveria no centro da composição um jogo de proposições. Imagem que afirma perguntando, que dita e leva além a nossa concepção de objeto artístico - e com isso a concepção da própria de arte.  Algo como “isto não é um cachimbo” (é representação/é pintura/é arte), como bem mais tarde afirmou Magritte.

CUMMING, Robert. Para entender os Grandes Pintores. São Paulo: Ática, 1998. p. 74-75
CUMMING, Robert. Para entender a Arte. São Paulo: Ática, 1998. p. 82-83.
JANSON, H. W. Inicição à História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 328-329

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